VII Festival Internacional de Poesia de Moçambique convida autoras galegas

As galegas Concha Rousia e Iolanda Aldrei, junto com o galego Alexandre Brea Rodríguez e o português Samuel Pimenta, participarão como talentos convidados

Galiza-Moçambique Numa linguagem e numa sinfonia
Precedente destas relações galego-moçambicanas

Como convidados de Moçambique figuram: Francisco Noa (escritor e crítico literário), Nelson Saute (escritor, jornalista e editor), Paulina Chiziane (escritora), Sónia Sultuane (escritora e artista plástico), Marcelo Panguana (escritor), Cheina (escritor e irmão do poeta-mor Sebastião Alba), Lino Mukurruza (escritor e coordenador do Clube de Leitores de Quelimane e director da revista Kilimar), Alerto Bia (poeta), Andes Chivangue (escritor), Dom Midó das Dores (escritor e presidente do conselho municipal da cidade de Xai-Xai), Elísio Miambo (escritor), Lahissane (poeta), Suely Vasconcelos (professora brasileira radicada em Moçambique), Almeida Cumbane (escritor), Deusa d’Africa… e outros.

«A Associação Cultural Xitende em parceria com o Conselho Municipal da Cidade de Xai-Xai, convidou um grupo de autoras e autores galegos a participar do VII Festival Internacional de Poesia (FIP) 2023, que realiza-se-à de 23 a 30 de Abril de 2023 no átrio do Conselho Municipal da Cidade de Xai-Xai e nas sessões de workshops a decorrem nas escolas de acordo com o programa anexo [Cf. Programa SESSÕES DO CMCXX e programa WORKSHOPS NAS ESCOLAS].

EMERGENTE Novos poetas lusófonos
Mais um prededente, idealizado por Samuel Pimenta integrando Alexandre Brea Rodríguez

De referir que a Associação Cultural Xitende, uma agremiação juvenil moçambicana, criada em 1996, sem fins lucrativos, composta por mais de trinta jovens, cujo objectivo principal é desenvolver a cultura e promover as identidades culturais, realizará a 7ª edição do FIP que irá decorrer nos espaços escolares ao período da manhã a citar as escolas envolvidas: Escola Secundária Joaquim Chissano, Escola Secundária de Xai-Xai, Instituto de Formação de Professores

Concha Rousia

Eduardo Mondlane e Universidade Save. As sessões do período da tarde realizar-se-ão no átrio do Conselho Municipal da Cidade de Xai-Xai, abertas ao público em geral, a partir das 17 horas.

Iolanda Aldrei

O FIP, é uma edição de periodicidade anual que junta escritores nacionais e internacionais em Moçambique, na cidade de Xai-Xai, no próximo ano irá contar com a parceria da ALCA Angola, Alcance Editores, Ethale Publishing, Editora Kulera, livraria Mivany Shop e com o patrocinador exclusivo, o Conselho Municipal da Cidade de Xai-Xai.

De referir que a edição deste ano será presencial e poderá contar com a participação especial de Portugal, Brasil, Bolívia, Perú, Galiza, São Tomé e Príncipe, Angola, África-do-Sul e Moçambique (país anfitrião).

Alexandre Brea Rodríguez
Alexandre Brea Rodríguez

Outrossim, irá decorrer em concomitante no átrio do Conselho Municipal a feira do livro que será inaugurada no dia 23 de abril, dia mundial do livro, e estará patente das 9.00 até as 19.00 horas durante a semana toda onde iremos expor os livros dos autores presentes no FIP.

Samuel Pimenta

A Xitende traçou este projecto em parceria com o Conselho Municipal da cidade de Xai-Xai, onde se exaltam as artes moçambicanas, preserva-se a cultura ao desconstruir os estereótipos sócio-culturais em prol da construção de cidadania. A equipa organizadora não dispõe de meios para a aquisição da passagem aérea, no entanto, fará a cobertura logística dos convidados, especificamente no que se refere ao combustível para o transporte de Maputo à Xai-Xai e vice-versa, alojamento e refeições durante o festival em Xai-Xai.»

[Associação Cultural Xitende]

Cf. Revista Palavra Comum

Samuel F. Pimenta: “O canto da sereia”

Samuel Pimenta com Pedro Casteleiro na Corunha, por A. Ferreiro (2016)

«[…] Apesar de todo o reconhecimento da Galiza como parte fundamental — e genética — da Língua Portuguesa, não é a legitimação estatal e institucional a definir a importância daquele território no seio da história e do futuro da nossa Língua, até porque tais reconhecimentos são, frequentemente, motivados por movimentos estratégicos, que facilmente podem conduzir à instrumentalização em função de agendas de interesses. A Galiza já era indispensável para a consciência linguística do português antes de todo o reconhecimento institucional dos últimos anos, reconhecimento esse que considero importante, mas jamais um substituto das relações vivas que sempre existiram entre galegos e outros falantes da Língua, nomeadamente com os portugueses. Sabemos como os Estados tendem a apropriar-se da memória, e a CPLP é, antes de mais, uma representação dos Estados, por isso lembro que os Estados e as instituições só se viram na inevitabilidade de reconhecer o valor da Galiza para o português porque, antes de nós, homens e mulheres, durante séculos de História, resistiram para que a memória da Língua não se perdesse — e continuarão a fazê-lo. A adesão da AGLP à CPLP é apenas mais um ponto na longa cronologia da resistência da Galiza dentro do Estado Espanhol. Sim, porque é disso que se trata, de resistência.

Começou com Castela a dominar o Reino da Galiza. O franquismo deu continuidade à opressão, proibindo o ensino do galego nas escolas, em benefício do castelhano. Hoje, ainda há uma política violenta por parte de Espanha para eliminar qualquer brecha que ponha em causa a ideia de “hispanidade”: além da forte orientação do Estado para uma política linguística na Galiza, em que o galego ainda é menorizado, somam-se os episódios de repressão policial à sociedade civil, com revistas policiais a algumas casas pela noite dentro e sem mandato; detenções pela posse de certos livros; acusações de terrorismo com base no uso do lema que Castelão inscreveu no escudo que criou para a Galiza, e com o qual iniciei este texto; intimidações a quem defende a terra da avidez das corporações; e as agressões policiais em manifestações, como as que ocorreram em Compostela, em Maio deste ano, quando vários cidadãos da cidade decidiram protestar contra a ordem de despejo da associação Escárnio e Maldizer. Convém, ainda, apontar a exclusão de que são alvo os escritores galegos que escrevem em galego internacional — ou português –, tanto por parte de instituições públicas, como a Real Academia Galega e o Conselho da Cultura Galega, como por parte de editoras e organizações de prémios literários, subservientes que são ao poder.

Em 2016, tive oportunidade de passar o mês de Outubro na Galiza, onde me confrontei com muitos destes casos. Mais do que o choque pelo que me foi relatado, surpreendeu-me o silêncio, tanto por parte da União Europeia, que parece ignorar a violência policial do Estado Espanhol — violência essa legitimada pela chamada “Lei Mordaça” –, como por parte de Portugal, que tendencialmente vive virado para os países e regiões que dominou, imerso numa narrativa imperial saudosista que lhe tolda a visão, e raramente se volta para os povos que vivem do outro lado da fronteira e com quem partilha um território comum, a Península Ibérica. A minha surpresa — e tristeza, confesso — não vem tanto pelo silêncio das nossas instituições estatais ou dos media, que esses só têm vindo a perpetuar uma narrativa em que a Galiza não tem lugar. Surpreende-me, acima de tudo, o silêncio por parte da sociedade civil, em especial o dos escritores, que pelo seu ofício deveriam conhecer o valor da Galiza para a memória e o futuro da nossa Língua. E, mais do que isso, deveriam questionar as narrativas que o Estado Português e os seus elementos de propaganda nos impõem há séculos […].»

Cfr. Caliban – Revista de Letras, Artes e Ideias

Samuel Pimenta: «Galego e português: a fala comum»

Samuel Pimenta na Crunha 2016 por Alfredo Ferreiro

Nas viagens que tenho feito pela Galiza, pude confirmar como o reintegracionismo é um movimento sério e sustentado, não apenas através de documentos e do nosso incontornável património cultural – de que são exemplo as cantigas medievais em galaico-português –, mas nas ruas. Hoje assinala-se o Dia da Galiza.

Visitar a Galiza é um reencontro com a matriz da língua que falo. “Aqui ganha-se mais língua”, disse-me um dia a escritora galega Iolanda Aldrei. E logo entendi que se referia à ancestralidade da fala que ambos partilhamos, da cultura que um dia uma fronteira separou e da verdade que ninguém pode negar: é impossível compreender Portugal sem a Galiza, tal como é impossível compreender a Galiza sem Portugal.

O movimento reintegracionista traz alguma luz aos laços de irmandade entre a Galiza e Portugal. O movimento defende que o galego se escreva segundo a grafia histórica, ou seja, como o português, como muito bem o explicou o jornalista Ruben Martins na reportagem do PÚBLICO “O galego vai salvar-se no português?”. Nas viagens que tenho feito pela Galiza, pude confirmar como o reintegracionismo é um movimento sério e sustentado, não apenas através de documentos e do nosso incontornável património cultural – de que são exemplo as cantigas medievais em galaico-português –, mas nas ruas. É uma realidade viva. Basta mergulhar na terra antiga galega para encontrar topónimos que contam a história de como o galego, ou o português, evoluiu ali, e de escutar as gentes a falar.

Se nas cidades é notória a herança da segregação e repressão linguística e cultural promovida até hoje por Espanha, com a imposição do castelhano — havendo já quem não fale galego —, nas aldeias ainda nos podemos maravilhar com as fonéticas das gentes mais antigas, tão próximas do jeito de falar de quem vive no Norte de Portugal e nas Beiras. E apesar do medo que ainda ficou dos tempos do franquismo, em que falar a língua da terra era motivo para perseguição, ainda resistem. Na Galiza ainda se fala a mesma língua que eu falo, apesar de todas as tentativas de eliminar a cultura indígena daquele território. E há muita gente a reivindicá-lo. Dentro e fora da Galiza.

Exemplo disso são os escritores galegos reintegracionistas, cujos livros são escritos tal e qual como nós escrevemos deste lado da fronteira. Procuram eliminar as marcas que a colonização e a segregação castelhana lhes deixaram na língua, por séculos e séculos. Marcas que não são meras escolhas ortográficas inocentes. Representam violência, perseguições, assassinatos e a vontade de eliminar uma cultura e um povo. Não escrevem carballo, mas carvalho. Não escrevem Galícia, mas Galiza. E apesar do trabalho corajoso que têm vindo a levar a cabo, de autêntica restituição da memória da língua, ainda enfrentam muita resistência por parte das instituições, das governamentais às académicas, que continuam a excluí-los por não escreverem no galego dito oficial. Além de haver um grupo maioritário de editoras que os rejeita, ainda estão impedidos de concorrer a diversos prémios literários. Contudo, com a progressiva abertura dos certames literários lusófonos aos escritores galegos, têm conseguido encontrar além-fronteiras o espaço que lhes é negado no seu país, como o escritor Mário J. Herrero Valeiro, que em 2015 venceu o Prémio Literário Glória de Sant’Anna, promovido em Portugal e destinado ao melhor livro de poesia dos países e regiões de língua portuguesa.

Estas lógicas opressivas e intimidatórias, que pretendem isolar os dissidentes, não servem a Galiza, mas o Estado espanhol. Sei como os Estados precisam de mitologias próprias que os justifiquem e legitimem, promovendo discursos que vão ao encontro da supremacia dos impérios. Também sei que os Estados são os primeiros a censurar o que consideram perigoso à ilusão de unidade que querem incutir. E todos os Estados o fazem, de forma mais ou menos evidente. Veja-se o que França fez com o bretão ou com o provençal, por exemplo. Na Galiza, ainda é notória a ferida. Mas os povos nunca precisarão dos Estados para viver. E a Galiza prova-o, pela forma como tem resistido à tirania. Já dizia Afonso Castelão, no seu Alba de Glória: “Afortunadamente, a Galiza conta, para a sua eternidade, com algo mais do que uma história mutilada, conta com uma tradição de valor imponderável, é isso que importa para ganhar o futuro”.

Cf. PúblicoSamuel F. Pimenta Poeta e escritor. Dedica-se ainda à espiritualidade e à promoção dos direitos humanos, LGBTI+ e ambientais – 25 de Julho de 2020