Sónia Engroba: «Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua»

«[…] Com as colegas do Brasil o idioma não se tornou nenhum impedimento comunicativo, tudo correu muito bem, com o galego e o português. A minha família adorava falar com as miúdas alegres que enchiam a casa de felicidade e de coisas novas e exóticas que elas contavam de Minas Gerais. Gostei muito dessa interconexão. Eram mundos tão diferentes, tão distantes e ao mesmo tempo tão compreensíveis.

Se tivesses de explicar às tuas amigas e amigos de Cospeito, porque vives o galego como sendo a mesma língua de Portugal e do Brasil, o que lhes dirias?

Dir-lhes-ia que não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua. Na verdade, temos um tesouro que nos permite comunicar internacionalmente. Isso torna o nosso idioma numa ferramenta comunicativa muito valiosa. Além da comunicação, também nos permite sentir-nos próximos a outras pessoas, a priori distantes, mas com as quais temos na fala muitas coisas em comum. Um exemplo claro está nos meus avós que se comunicaram muito bem com as minhas amigas brasileiras. Uma experiência que por acaso resultou com muito sucesso para todos, quer para os meus avós que ficaram muito cosmopolitas 😊, quer para as minhas amigas que sentiam os meus avós como seus próprios cá na Galiza […].»

Source: Sónia Engroba: ‘Não somos conscientes nem conhecedores do poder da nossa própria língua’ – PGL

Enrique Saez Ponte: “O português é a melhor oportunidade de desenvolvimento do país, e a mais barata”

Enrique Saez Ponte

«Hoje falamos com Enrique Sáez Ponte, economista, empresário e presidente da Fundación Juana de Vega.

As relações económicas com Portugal sempre fôrom um dos teus focos. Porquê?

O meu interesse tem a ver, por um lado com uma atitude pessoal, de interesse, e depois com o meu trabalho. Fum diretor comercial do Banco Pastor, e num cargo assim é importante planificar onde tem mais sentido instalar-se; o Pastor foi um banco com muitíssima presença na Galiza e isso, de alguma maneira, tornou recomendável impulsionar a presença em Portugal, labor que desenvolvim durante 12 anos, de 89 a 2001, aproximadamente. Primeiro através de parceiros portugueses, mas depois fomos nós diretamente, com uma sociedade financeira, que deveria ter dado lugar a novas sucursais, ainda que nom chegasse a produzir-se polas circunstâncias que mudaram a vida do banco. Porém, durante esses 12 anos estivem indo a Portugal quase todos os meses, passava dous ou três dias por mês no Porto. Fum vendo a aproximaçom de empresas galegas a Portugal e a capacidade cada vez maior de ir dum lado para outro, o que me deu uma perspetiva mais completa. Comecei a analisar os dados de comércio exterior e reparei em que estavam a crescer muito as trocas entre as duas partes da raia e que além disso nós exportávamos bastante mais do que importávamos.

Em que momento se encontram as relações económicas entre a Galiza e o Norte de Portugal?

No melhor da história, durante séculos fomos parte da mesma cousa; uma província romana, um reino, mas daquela a gente nom se movia tanto, nom havia meios de transporte, havia menos populaçom e menos atividade económica. O que hoje acontece é outro patamar. Temos uma integraçom muito forte, quase uma integraçom de dous mercados, que se está a produzir pouco a pouco, e estamos no melhor momento, graças à entrada na Uniom Europeia. De facto, foi a própria Uniom Europeia que pagou a autoestrada que nem Lisboa nem Madrid tinham presa em construir.

O dinamismo da economia galega ou da economia portuguesa entendem-se sem a outra parte?

Nom, nom se entende. A partir da entrada na Uniom Europeia, a Galiza começou a crescer mais do que a média espanhola: quando entramos na Uniom Europeia éramos uma das duas ou três comunidades mais pobres do Estado e agora estamos perto da média. Quando eu estudava Económicas parecia impossível, e hoje temos uma renda per cápita na Galiza superior à das Astúrias ou Valência. Isto, em grande medida, tem a ver com o comércio exterior, a Galiza é muito exportadora, e tem duas locomotivas, o setor do automóvel e Inditex; contudo, quando entrou na Uniom Europeia, só o setor do automóvel, ao redor da Citroën, representava mais de 60% da exportaçom galega. Hoje se somas Citroën e Inditex e tudo o que têm ao redor, é menos de 50%, quero dizer, fôrom nascendo muitas mais empresas.

A Galiza é uma comunidade autónoma, a primeira ou segunda, em percentagem de exportaçom sobre o PIB: exportamos muito mais que quase todas as comunidades autónomas. Tem a ver muito com que nós estávamos um pouco isolados dentro de Espanha, entom, com a entrada na Uniom Europeia, era-nos igual mandar cousas a Valência ou a Bordéus, toda a gente começou a exportar com naturalidade. Além disso, a emigraçom e a exportaçom marítima sempre nos fijo estar mais em contacto com o mundo exterior.

Neste sentido, com Portugal, a integraçom foi natural, eu descrevo-a como uma frase, que explica a história económica da Galiza contemporânea: fomos um sul no norte, porque fomos um norte sem sul. Portugal foi mui importante, primeiro, acrescentou-nos algo mais de 10 milhões de habitantes, situados num eixo próximo de nós. Em geral, com menor produtividade do que nós, nesse aspeto fomos norte, por isso exportamos arredor de um 60, 70% mais do que importamos, e começamos a nos sentir norte. Isto implica irmos desenvolvendo pouco a pouco a base industrial. Para além disto, o segundo fator, é que termos aí ao lado um mercado exterior que fala mais ou menos o mesmo, ajudou-nos a muitos a situar-nos em comércio exterior, do ponto de vista da cultura empresarial, sem grandes dificuldades. O primeiro sítio aonde fomos foi uma escola, onde o IVA é diferente, a legislaçom laboral é diferente, a mercantil é diferente… E isso foi-nos adaptando. Depois, uma vez que exportas a um lugar, podes exportar a mais, porque já estás adaptado a mudar as condições de trabalho à área em que te moves, e para isso Portugal foi uma escola próxima, em que muitos aprendêrom a trabalhar fora e logo fôrom a outro sítio. O exemplo paradigmático é a Inditex, a primeira loja que abriu a Zara fora do Estado espanhol foi no Porto.

O dinamismo da área económica galego-portuguesa é já anterior à União Europeia?

Nom, antes havia uma barreira. Obviamente estava perto, mas o dinamismo foi impulsionado pola Uniom Europeia, multiplicou-se muito, a atividade económica anterior a 86 era pequena, nos seguintes quinze anos fôrom desaparecendo tarifas aduaneiras e obstáculos à exportaçom, fôrom-se construindo infraestruturas de comunicaçom e a princípios deste século normalizou-se muito a situaçom.

A Galiza e Portugal conformam um espaço geográfico estratégico no mundo atual (fachada atlântica)?

Com certeza. Já falei um pouco da parte galega, mas também a portuguesa foi beneficiada por esta circunstância, porque apesar de nós exportarmos mais do que eles -sempre o fizemos – em Portugal também exportam cada vez mais, e ademais Portugal é maior, tem mais populaçom e mais superfície. Depois, cumpre falar de aspetos mais locais, da Eurorregiom, especificamente do Norte de Portugal, que conta com dous elementos muito concretos: primeiro, a raia e o dinamismo industrial de Vigo, que leva muitas empresas galegas para o outro lado, por terem melhores condições fiscais, ou melhores condições do solo, e preferem instalar a empresa da parte do Minho português, que estava afastada dos grandes centros de atividade do país vizinho e começou a crescer, a desenvolver-se, a integrar-se com as zonas mais próximas da Galiza que tinham muito dinamismo económico, também ajudado por essa integraçom. Mais um exemplo muito concreto é o chamado Vale do Ave, ao redor de Guimarães: era o centro do setor da confeção têxtil e tivo uma crise muito grande nos anos 80, pola entrada doutros competidores: Turquia, Marrocos; depois a Ásia… Fazendo um paralelismo, na Catalunha praticamente desapareceu o sector da confeção, mas o Vale do Ave, que era nesse sentido a Catalunha portuguesa, sustentou-se com algumas empresas galegas importantes. O setor da moda galego é importante, também para Portugal. Ainda, há uma certa tendência, e isso já é estratégico, a que o peso de Portugal venha para o Norte, cada vez o Porto tem maior peso. O aeroporto do Porto é mui importante, com linhas com Nova York e com outras cidades centrais, e é referencial também para todo o sul da Galiza.

As relações económicas vão à frente das sociais, culturais ou institucionais?

Isso já o dixo há 250 anos Adam Smith. O comércio move quase tudo. O feito de que a Grécia desenvolvesse uma democracia antiga e tivesse um alto nível cultural tem a ver com que tinha muitas ilhas perto e comerciavam… O comércio tende a produzir uma atividade mais liberal, mais aberta, permite conhecer gente, instalares-te noutros lados, aprender línguas… É um motor.

A reintegração linguística tem um papel entre as outras integrações todas que parecem querer avançar?

É mui importante a cultura e a língua, também para estabelecer relações, fazer operações comerciais, vender, comprar, tens que instalar-te, criar e dinamizar equipas humanas… Para isto o idioma é fundamental, porque gera algo vital no mundo comercial: empatia, a empatia gera-se quando falamos. E a gente agradece muito que fales a sua língua. Já sabe que nom és de ali e às vezes cometes erros, mas o vínculo que se cria é fantástico.

Eu som neofalante, criei-me em castelhano na Corunha e aprendi o galego já com anos, a base de ler e escrever e falar. Adoito dizer que aprendi o galego depois do inglês. Na casa nom se falava e eu fui educado na época franquista, nom tínhamos galego na escola, aprendi o galego porque tenho tendência a aprender idiomas e vivo na Galiza, e trabalhando numa entidade galega… Durante a transiçom envolvim-me também em alguma atividade cultural e mesmo política, estivem entre as pessoas fundadoras da AGAL, por exemplo.

O galego em Portugal veu-me mui bem, aos poucos dias já falava. Havia quem me dizia que nom podia ser, “nom podes falar português porque é mui diferente, as silabantes, os falsos amigos…” (risos) eu respondia-lhes: nom sei se falo português, eles pensam que sim.

E a tua conexão com Portugal ajudou-che a valorizares o galego?

Sim, claro, foi fundamental. Eu até dei conferências de imprensa em português, e nunca o estudei, podo lê-lo, leio literatura portuguesa, podo redigir contratos sem ter feito nunca um curso de português, só com o galego. Para escrever preciso um corretor de textos, mas, falando, podo comunicar-me mui bem.

Nesse sentido, uma maior presença do português no ensino poderia ser um incentivo ao um maior fluxo económico entre a Galiza e Portugal?

Esta é uma pergunta chave! Já por cima das relações com Portugal, o português é uma língua internacional, com um volume importante, dizem que 250 milhões, mas só o Brasil som 214 milhões, está a crescer muito. Entom, podemos dizer uns 300 milhões de pessoas, e além disso é idioma oficial da Uniom Europeia. Entom, para mim é uma estratégia competitiva: seríamos mais ricos se o nosso galego se aproximasse do português. Depois, que o escrevam como quiserem, porque afinal vam ser robôs a escrever, mas, no aspeto humano, falar permite-nos criar equipas, amizades, trabalhar melhor, e claro, um idioma que dá aceso a 300 milhões de pessoas é uma vantagem competitiva. Isso é o que nom querem ver a partir da visom mais centralista de Espanha, que de repente, um idioma que consideram secundário se converta em idioma internacional, oficial na Uniom Europeia. Isso, para determinados esquemas simples, nom encaixa.

Já dous anos antes da aprovaçom por unanimidade da Lei Paz Andrade, participei num encontro do Foro Peinador, um jantar de empresários em Lestrove, com Feijoo e o conselheiro de Cultura e Educaçom na altura, Xesús Vázquez. Houve várias perguntas, sobre o sector turístico, sobre pesca… Eu perguntei, “por que nom estudamos português a partir do galego?” Nem Feijoo nem o conselheiro da Economia souberam dar resposta, mas foi a única pergunta que recebeu uma ovaçom do empresariado. O Foro Peinador som empresários com sensibilidade galeguista, mas ainda assim, essa é uma chave. Há que ensinar português a partir do galego, para além de determinados interesses e corporativismos. De facto, a Lei tem uma ótima exposiçom de motivos, que ficam estragados no artigo 2, ao dizer que a Xunta promoverá o ensino do português desde as suas competências como línguas estrangeiras. Aí morreu. E continuam a pôr professorado de português, como se fôssemos a Estremadura, o que é uma parvoíce, já que aqui alunos e alunas que falme bem galego podem aprender português em seis meses. Poderia integrar-se no último ano letivo de galego e seria um incentivo para a rapaziada se preocupar mais de aprender o galego, reparando em que é uma vantagem competitiva. Se saíssemos do bacharelato com o conhecimento de dous idiomas internacionais como espanhol e galego, na versom portuguesa, e ainda inglês, nós seríamos muito mais competitivos. Eles, os espanhóis do centro, o que querem é que nom compitamos melhor, nom é apenas uma questom cultural, de domínio, nom, nom, nom querem é que sejamos melhores do que eles.

Há um ano li-a uma estatística curiosa, que assinalava que as comunidades com melhor nível de inglês, ao finalizar o bacharelato, som a Galiza, a Catalunha e Euskadi. Quando falas dous idiomas tens mais facilidade para aprender um terceiro. O bilinguismo a partir de crianças desenvolve capacidades, e se ademais, esse segundo idioma é outro idioma internacional, é uma oportunidade tremenda. Para nós seria uma mudança revolucionária, a Galiza seria um norte. Há que ser ambicioso, e temos capacidade de fazê-lo. Além disso, é a melhor oportunidade de desenvolvimento do país, e a mais barata, claramente. Dá vergonha é que nom aconteça, é dessas cousas que me chateiam. Estragar recursos parece-me injustificável, é pior do que roubar, nom se deveria poder. Os recursos som sempre poucos. Estamos desaproveitando uma oportunidade histórica.

Neste sentido, foi polémica recente a solicitude da Mesa de pedir a oficializaçom do “galego” no parlamento da Uniom Europeia.

Se já Camilo Nogueira falava galego em Bruxelas! E as tradutoras de português traduzia-no, assim que nós nom necessitamos que nos ponham tradutores novos. Já falamos um idioma oficial ali… O Pinheirismo afetou muito a normalizaçom da língua e da cultura, era demasiado isolacionista.

Eu fum um dos fundadores da AGAL, nom estou no mundo do ensino, da academia… mas foi algo que apoiei porque me pareceu mui interessante. Há um artigo que me marcou bastante neste sentido, daquela época, de Carvalho Calero na Voz de Galicia, que se intitulava O voo do flamengo, onde explica como o idioma do norte da Bélgica começou a descolar, e com ele esse território, que de ser o mais atrassado da Bégica passou a ser o mais desenvolvido, quando decidiu que o flamengo era holandês. É pura lógica. O divide e vencerás é que fazem todos os que querem destruir o idioma, ajudando-se às vezes, inocentemente, ou por puros interesses corporativos, por académicos que o que querem é terem é o seu próprio idioma para mudar de regras, etc, e acontece como o catalám de Valência, ou como o galego das Astúrias, que sei que agora se chama eu-naviego. Se o galego se convertesse numa vantagem competitiva, ao dar acesso ao português, que já dá, de facto, seria revalorizada muito a própria língua. As empresas com contacto em Portugal já se dam conta, e os asturianos começariam a ensinar galego também. Nom sei como veria Oviedo isso de que a parte occidental, que está mais atrassada, de repente tivesse um segundo idioma internacional.

Qual o papel das eurocidades a tentar integrar todas as vias de integraçom?

Por agora servem para coordenar rotas de autocarro e algumas outras cousas, som úteis para ir construindo pontes sobre os Estados. Haveria que trabalhar mais em algumas cousas interessantes, como criar alguma legislaçom europeia para criar planos urbanísticos conjuntos, como Tui e Valença. Ou solucionar problemas: em Verim houvo um problema com o paritório, em 2021, e as mulheres tinham que ir parir a Ourense, porque ali nom conseguiam dar o serviço, mas provavelmente poderia havê-lo em Chaves, porque som dous hospitais, que estám relativamente perto, e poderiam, para os serviços que nom têm volume, uns pô-los num sítio, outros noutro, e depois ter um serviço de comensaçom económico. Isso podem fazê-lo perfeitamente. É só que nom vem que isso pode ser feito.

Outro exemplo poderia ser promover que houvesse denominações de origem que açambarcassem parte de Portugal. Existem já exemplos na Europa. Se reparas, Monterrei, ou Rias Baixas usam uvas que há nas duas beiras do Minho. A uva chama-se Alvarinho, Espadeiro, Loureiro… De facto, em vez de fazer a batota de comprar a uva ali, que é a mesma, e engarrafa-la aqui, podia-se trabalhar para ir eliminando a raia.

Nom é fácil, porque os Estados resistem-se muito. O estado-naçom que construímos nos últimos 250 anos tem tendência a fechar-se, a construir fronteiras. Vimo-lo durante a pandemia, foi muito grave, fechar a fronteira com Portugal. E a gente que vai dum lado para outro todos os dias, tinha horas de espera. Se eram precisos mais controlos, o que tinham era que pôr o dobro de funcionários para o controlo, dedicar mais gente, mas nom se podem tratar as cousas por decreto-lei, a partir duma distância enorme. Disso é que gostam os políticos mais nacionalistas e os burocratas que tampouco pensam demasiado, mas amolam o pessoal, porque as pessoas vam trabalhar com naturalidade dum lado a outro. Há muito que trabalhar no terreno institucional nesse sentido.

A Uniom Europeia é uma tentativa séria de superar as limitações do estado-naçom no século XXI. Quem nom gosta de que venha gente de fora está sempre a tentar recuperar barreiras.

A nossa fronteira, que é das mais antigas da Europa, sempre mo dizem os portugueses, ao que eu respondo que também é das mais artificiais. É curioso, é muito antiga, tem muita história, mas ao mesmo tempo é muito natural andar dum lado para outro.

Instituições como o Eixo Atlântico ou a Comunidade de Tragalho Galiza-Norte de Portugal deviam ser revalorizadas? Deviam possuir mais funções e competências?

Sim, o que comentava na pergunta anterior também vale para responder a isto. Haveria que trabalhar também para que as instituiçons comecem a se integrar no dia-a-dia, superando fronteiras. A Uniom Europeia poderia fazer algo mais. Na fundaçom Juana de Vega estamos colaborando em projetos transfronteiriços em que particiapam empresas e pessoas dos dous lados da raia: a integraçom está a produzir-se. E as instituiçons ajudam, mas muitas vezes som mais cultura espectáculo do que realidade. Mas as empresas solucionam problemas, de maneira que é o comercio, já dixem antes, o que vai por diante.

Portugal apostou na Alta Velocidade para a faixa atlântica e na Galiza essa música soa bem a todos os atores políticos e económicos. Caminhamos para uma megacidade Lisboa-Ferrol?

Portugal tomou uma decisom lógica, Lisboa deu prioridade à linha com a Galiza, com Corunha-Ferrol, porque havia um eixo de cidades. Há portos, aeroportos, plataformas logísticas, muita atividade comercial, e como eles dixérom “O que queira ir a Madrid, que apanhe o aviom”. Há praticamente 10 milhons de habitantes num espaço de 20 km de profundidade, e isso é perfeito para o ferrocarril. O ferrocarril é fundamental em duas circunstâncias: nas áreas metropolitanas e nos eixos de cidades, ou seja, nom é demasiado eficiente para atravessar zonas pouco povoadas. Por exemplo, nos Estados Unidos, os costa-a-costa som só de mercadorias. Ou seja, para distâncias longas, melhor apanhar aviom. Mas este é um sítio perfeito para ferrocarril, e um ferrocarril nom tem que ser uma tolaria como o AVE que fizemos nós, que nom serve para transportar mercadorias.

Agora mesmo estou numa nave industrial, ao lado do apeadoiro do ferrocarril do polígono de Pocomaco. Os meus anteriores, decidírom pôr aqui a nave porque pensavam que as vigas de ferro, que pesam muito, iriam vir de trem, e ainda seguem vindo em camiões. Temos as estradas cheias de camiões, com o custo e impato ecológico que acarreta. Aqui na Corunha, estám a fazer uma linha ao porto exterior, e a ninguém lhe passa pola cabeça fazer mais 500 metros para chegar ao polígono de Sabom, ao qual vam milhares de pessoas todos os dias. De novo os recursos: há que aproveitar o que há. Isso sim, investem 4000 milhões para fazer um túnel para que os das Astúrias podam ir a Madrid. Lisboa, porém, vai desenvolver um eixo ferroviário que permita velocidades algo superiores aos 200 km/hora e que sirva também para mover mercadorias, pois o ferrocarril para mercadorias é fundamental.

Isto do comboio é muito importante para a Galiza, depois da ponte da língua, a ponte do ferrocarril é a mais importante. Há que mudar a mentalidade, e tocar estes temas é necessário.Todos temos que pressionar um pouco. Estamos a pedir que se fagam as cousas com cabeça.»

Cf. Portal Galego da Língua

Alberto Pombo: “O ensino do português é também umha porta de entrada e profissionalizaçom no mercado laboral”

Alberto Pombo, por Ana Souto

«[…] Qual deve ser o papel do português no ensino? Ampliar a sua presença como segunda Língua Estrangeira? Ser lecionada dentro das aulas da matéria troncal de galego? Ambas?

As aulas de galego devem incluir –seguindo já os programas educativos atuais– um espaço para tratar a lusofonia. No entanto, a introduçom do português no ensino é umha oportunidade: a de reforçar laços culturais e mesmo os da autoestima dos galego-falantes sumidos nos perigos do auto-ódio. Ademais, para o estudantado galego, o ensino do português é também umha porta de entrada e profissionalizaçom no mercado laboral.

As horas de docência desta matéria som, no entanto, ainda limitadas e, em consequência, a capacidade de incidência real, também é. Umha bolha necessária que precisa de umha revisom estrutural do sistema educativo no que diz respeito da aprendizage de línguas. […]»

Cf. Alberto Pombo: “O problema do galego é umha questom de referentes. De ausência de referentes” – PGL

Carla Nepomuceno: “Não é possível apenas com atitudes positivas manter o galego porque inúmeras pessoas que apresentam atitudes positivas, não o utiliza”

Carla Nepomuceno (PGL)

«[…] Qual deve ser o papel do português no ensino? Ampliar a sua presença como segunda Língua Estrangeira? Ser lecionada dentros das aulas da matéria troncal de galego? Ambas?
Esta pregunta é um pouco complexa porque necessita do engajamento de políticas públicas neste sentido. Em linhas gerais, eu acredito que ao falarmos do ensino de português na Galiza perpassa por reflexões sobre a necessidade de uma abordagem específica para os estudantes galegos, é necessária uma avaliação sobre as ações político-linguísticas realizadas na Galiza para o ensino do Português como segunda língua estrangeira.
Talvez, o caminho a seguir seja buscar metodologias sensíveis às diferenças e semelhanças culturais e linguísticas dos estudantes de português na Galiza, verificando o repertório linguístico que nos une, bem como os diferentes valores sociais e identitários de cada um. É necessário encontrar um caminho para o desenvolvimento do ensino de português porque difere totalmente da focagem do ensino de PLE para estudantes bilíngues, ao mesmo tempo que também difere do ensino de PLE para não falantes de português. Não sei se consegui ser clara neste ponto, a questão é que, se ampliar o ensino de português como língua segunda ou focá-la dentro da matéria de galego, coincidimos em uma questão: há que procurar outras achegas para sustentar esta abordagem, levando em consideração todas as particularidades do ensino de português na Galiza. […]»

Cf. PGL

Mario Regueira: “O segredo melhor guardado do país”

«[…] Editar literatura portuguesa em galego?

Estas semanas a generosidade duma editora galega punha nas minhas mãos outro clássico da literatura portuguesa “traduzido” para galego. Por mais que a edição fosse tão formosa como costuman ser estas coleções e que a adaptação ortográfica fosse encarregada a uma pessoa que admiro, soube imediatamente que não o leria, ainda que o livro despertasse a minha curiosidade o suficiente como para encomendar uma edição portuguesa no dia seguinte […].

Há quem diga que justamente essa é a questão: que algumas pessoas, por razões profissionais ou familiares, temos um contacto com a língua portuguesa que a maioria das pessoas não tem. Cresci numa casa com livros em português que o meu pai lia para mim pronunciando “à galega”. Interessei-me logo pelas línguas e a literatura e quando tive curiosidade por Antero de Quental, Clarice Lispector ou Saramago fiz questão de procurar os livros em português, apesar de todas as livrarias da minha cidade fazerem esforços para me vender traduções em castelhano. Talvez seja uma coisa minha, ainda que a experiência também me diga outras coisas: durante anos voltava das minhas viagens a Portugal carregado de livros infantis para as crianças dos amigos que estas devoravam sem quase notarem, no máximo perguntando por algum termo solto, mais ou menos como quando liam com ortografia galega. Sei que nos dias de hoje uma minoria de galegos e galegas continua a fazer o mesmo, oferecendo este tipo de produtos culturais às suas crianças, também com audiovisual na variante brasileira. Por outro lado, uma parte nada desprezível das editoras do país que se dedicam à língua galega publica numa ortografia convergente ou mesmo com idêntica grafia ao que conhecemos por português. Pode ser uma teima, mas também tenho a sensação, muitas vezes, de que o segredo melhor guardado da Galiza é que a imensa maioria das pessoas galego-falantes podem ler em português com um esforço mínimo. E isto é, em boa medida, independente da guerra de fundo que às vezes se manifestou vandalizando alguns livros.

Tradução e edição nas relações culturais

É certo que igual que uma língua não é só uma ferramenta de comunicação, uma tradução não serve só para fazer algo intercompreensível. Quando se traduziu o Quixote para galego foi um ato mais simbólico do que uma necessidade linguística. Muitas vezes, estas “traduções” do português cobrem um papel de aproximação entre os dois países, e às vezes mesmo estão financiadas por fundos relacionados com a integração europeia. Penso, porém, que muitos desses esforços bem intencionados teriam melhor fortuna noutra direção: uma edição adaptada para o público galego de certas obras não pasa necessariamente por uma adaptação ortográfica supérflua. A maior parte das vezes pode ser mais relevante saber o seu contexto histórico e literário, entender a sua relevância. Compreender o outro no que é diferente, não nas coisas que são praticamente iguais ou simples variantes da nossa realidade. E, obviamente, não ignorar a vantagem de que esse galego do sul devolva parte do vigor perdido ao minguado e arbitrário vocabulário que sancionam instituções como a Academia.

[Este artigo foi publicado originariamente no Nós Diario]».

Cf. PGL: “O segredo melhor guardado do país”.

Iria Taibo: “A liberdade (real) de escolha é muito importante, e o sentido prático também”

«Estamos a realizar ao longo de todo o ano, umha série de entrevistas a diferentes agentes sociais para darem-nos a sua avaliaçom a respeito do processo, e também abrir possíveis novas vias de intervençom de cara o futuro. Desta volta entrevistamos iria taibo, tradutora, intérprete e ativista da Mesa.

[…] Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
Podem fazer-se muitas coisas, mas acho que se não há um apoio muito mais claro por parte das instituições é bastante difícil que nada mude. Desde a promoção do galego nas novas plataformas onde a mocidade toda está a participar até os retrocessos que é fácil detetar em partes muito importantes da própria administração (nomeadamente, a educação e a saúde, na minha opinião), as iniciativas pessoais e privadas de todo tipo são muito positivas e imprescindíveis, mas para mim é impossível que haja mudanças reais sem essa liderança do público.
Desde a iniciativa social, continuaria com o apoio a iniciativas muito transformadoras que existem, particularmente de valorização e de divulgação de espaços de presença prática do galego.

Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
Sem dúvida. A liberdade (real) de escolha é muito importante, e o sentido prático também. Daria a bem-vinda a qualquer elemento que ajude e some.»

Source: Iria Taibo: “A liberdade (real) de escolha é muito importante, e o sentido prático também”

Pedro Balado: o que “estamos perdendo por estar de costas ao mundo lusófono”

«[…] Vendo a situaçom sociolinguística na Galiza, como imaginas o panorama dentro de 20 anos?
Acho que vejo um pouco o que vemos todos: entre mal e muito mal. O número de falantes continua a descer e as medidas de protecção sobre a língua penso que são insuficientes. Faz falta uma intervenção urgente, provar coisas diferentes. Esse giro cara a norma portuguesa pode ser uma boa forma de abrir-nos a um mercado mais amplo.

O que achas que cumpre fazer para reverter a situaçom?
Acho que se queremos achegar-nos aos 240 milhões de potenciais falantes, devemos apartar um pouco o debate sobre a língua e mostrar conteúdos reais (televisão, comédia, literatura…) que nos estamos perdendo por estar de costas ao mundo lusófono. Há muitas culturas maravilhosas que temos a sorte de “consumir” sem ter que estudar uma língua. É de parvos não aproveitá-la.»

Cf. Portal Galego da Língua

Iria Veiga: “O binormativismo contribuiria a achegar conteúdos noutras normas e visibilizar as possibilidades comunicativas e a riqueza do galego”

Iria Veiga. Cf. PGL

«Neste ano 2021 há 40 anos que o galego passou a ser considerada língua co-oficial na Galiza, passando a ter um estatus legal que permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisar este período, iremos realizar ao longo de todo o ano, umha série de entrevistas a diferentes agentes sociais para darem-nos a sua avaliaçom a respeito do processo, e também abrir possíveis novas vias de intervençom de cara o futuro.
Desta volta entrevistamos a médica psiquiatra interessada na divulgaçom científica e na língua galega, Iria Veiga.

Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
É possível que, por idade, haja muitas que nom conheça, já que fago 40 anos ao mesmo tempo que a oficialidade do galego. Das que vivim e lembro, destacaria duas. A primeira, o Xabarín Clube, graças ao qual muitas moças associamos por vez primeira o galego com o lazer, a diversom e a modernidade. A outra foi a criaçom das equipas escolares de Normalizaçom Linguística, que figérom e fam um trabalho de base espetacular, e que permitiu a muita rapazada pôr em valor o uso do galego e implicar-nos em tarefas normalizadoras.

Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
Eu diria que formular um modelo de imersom linguística no espaço escolar desde a Escola Infantil, em lugar da atual lei que relega o galego ao estatus de língua estrangeira e cria ambientes castelhanizantes no ensino obrigatório.

Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
De novo, enquanto as políticas educativas nom apostarem formalmente na normalizaçom, será mui difícil que isto aconteça. Além disso, também seria importante criar conteúdos audiovisuais em galego e facilitar e visibilizar os que já existem em galego internacional para reverter a perda de falantes

Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
Si, acho perfeitamente possível e mesmo desejável. O modelo ILG nom foi capaz de deter a queda no número de falantes e, portanto, o seu principal argumento a nível prático (o maior conhecimento dos falantes pola sua proximidade com o castelhano) fica deslegitimado a este nível. A existência e difusom de duas normativas contribuiria a achegar conteúdos noutras normas e visibilizar as possibilidades comunicativas e a riqueza do galego.»

Cf. PGL

Debate sobre o binormativismo do galego

No decurso de 2020 aconteceu um debate na imprensa sobre a pertinência de o galego possuir duas normas oficiais, a local (também chamada de nacional, “oficial”, institucional, etc), estabelecida e defendida pela Real Academia Galega, e a internacional (também chamada de internacional, histórica, lusista, etc), defendida pela Associaçom Galega da Língua. O presidente da AGAL, Eduardo Maragoto, e o secretário da RAG, Henrique Monteagudo, protagonizaram um interessante intercâmbio de ideias ao respeito:

Eduardo Maragoto: Carta aberta ao académico Henrique Monteagudo

Henrique Monteagudo: Resposta a Eduardo Maragoto

EM: Continuemos: “binormativismo” ou “reconhecimento oficial do português”?

HM: O galego internacional: un problema de comunicación

EM: Ampliar o repertório, para quê?

Ganhar a vida em galego. E o futuro

«Observamos com consternaçom o abandono do galego, o corte na transmissom intergeracional que se vai mostrando cada vez maior, inquérito após inquérito. E a causa principal para pais e maes preferirem as crianças falando castelhano em vez de galego é, estudos apontam, terem a percepçom de ser impossível “ganhar a vida” com a nossa língua.

E com certeza, nom se negará, ganhar a vida num emprego, com produçom primária, com um negócio, como quer que seja… é tarefa quase impossível na nossa língua. O nosso espaço económico está marcado num quadro definido polo Estado, que estabelece umha “unidade económica” ou “unidade de mercado” cuja língua oficial de relacionamento é, tem que ser, o “castelhano ou espanhol”. É aplicada com firmeza como veículo de comunicaçom para trânsito e relações comerciais, laborais, administrativas, legais, empresariais, profissionais… […]»

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