Charo Lopes: “Ter a língua em comum nom significa que tenhamos que partilhar posiçons políticas”

«[…] Como foi a tua passagem para o lado escuro da norma? Foi à velocidade da luz ou mais vagarosa?

Foi a partir da militáncia independentista, de forma autodidata e vagarosa, durante o liceu. Na universidade, em Compostela, já a usava normalmente.

Por onde julgas que deveria transitar o reintegracionismo para avançar socialmente e quais as áreas mais importantes?

Pola planificaçom linguística: Ter estratégias a médio e longo prazo. Mas nom tenho refletido muito nisto… Acho umha virtude do reintegracionismo a capacidade de ampliar perspetiva e procurar alianças parciais -ter a língua em comum nom significa que tenhamos que partilhar posiçons políticas-, e nom abandonar a atitude militante e o entusiasmo, isso é o que vai fazer a diferença entre um movimento vivo e a burocracia.

Porque te embarcaste no navio agálico? O que esperas do trabalho da associaçom?
Para poder participar das assembleias! Nom podo esperar nada se eu nom figer nada.

Em 2021 somamos 40 anos de oficialidade do galego. Como valorarias esse processo? Que foi o melhor e que foi o pior?
O processo foi de normalizaçom do espanhol, acho que o meu círculo é umha borbulha, mas a realidade, em particular nas cidades, é catastrófica.
O pior: responsabiliza as falantes e nom as estratégias institucionais.
O melhor? A autoorganizaçom social que nom delegou: todos os projetos coletivos que se levárom adiante sem estar à espera de subsídios nem reconhecimentos.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2050 em Boiro e na Galiza?
Em trinta anos podem passar muitas cousas… Gostaria que o galego fosse língua veicular, de uso hegemónico na república galega. Que haja centros de estudo de línguas em todas as vilas, que no ensino se aprendam duas ou três línguas mais, chinês e árabe, por exemplo.»

Mais no Portal Galego da Língua

Luís F. Figueiroa: “As nuances do país galego”

«Ouvimos dizer que a língua é a única herança que quanto mais partilharmos mais valor nos devolve a todos. Na Galiza, o português é também a única língua promovida por unanimidade em que se uniram as vontades e identidades diversas do nosso país

Ao contrário do castelhano, o português tem uma capacidade especial em indicar diferentes graus de concordância ou discordância com o posicionamento do interlocutor. Isto tem criado muita confusão a alguns estrangeiros, mas nunca aos japoneses. Estes não apenas “defendem uma inteligente posição neutral”, mas antecipam o que o outro interlocutor pode querer antes de ele falar.

Reparemos no seguinte: quando uma pessoa falante de português está a responder “talvez”, ela poderá eventualmente querer dizer sim, mas muito provavelmente está a dizer-nos “não”, educadamente.

Assim sendo, quando dizemos por exemplo “acho que isto pode vir a acontecer”, um falante de castelhano provavelmente diria “sei que isto vai acontecer”. É uma maneira de nos proteger e proteger também futuras trocas de opiniões dentro das boas maneiras de nos relacionarmos.

Um outro elemento de “proteção” quando não aceitamos aquilo a que nos quer obrigar alguém ou quando nos falam sobre assuntos desagradáveis é o silêncio. É dito que o silêncio é a melhor defesa do camponês.

E a Galiza mergulha a sua cultura na cultura camponesa.

É também dito que um mau pacto é melhor do que pacto nenhum. E quando, por exemplo numa feira, dois negociantes de gado não chegam a acordo, sempre há quem recomende que “partam a diferença” (deixem o preço no ponto meio entre a aposta de um e a petição do outro).

Marco Neves: Quando Afonso Henriques se tornou rei de Portugal, que língua ouvíamos nas ruas de Guimarães? Seria latim? Seria português?

«[…] Quando Afonso Henriques nasce, nas ruas já ouvíamos algo com características que hoje consideraríamos muito portuguesas e muito menos latinas. Como exemplo, já se notaria a queda do «n» e o «l» em muitas palavras que, noutras línguas (como o castelhano) ainda se mantêm – por exemplo, a «luna» latina passou a «lua» no português e manteve-se «luna» no castelhano.

Teresa de Leão, mãe de Afonso Henriques, condessa-rainha de Portugal, representada num manuscrito do mosteiro galego de Toxosoutos
Teresa de Leão, mãe de Afonso Henriques, condessa-rainha de Portugal, representada num manuscrito do mosteiro galego de Toxosoutos

Apesar de ser já, em traços largos, a nossa língua, ninguém usava a designação «português» para a língua. O termo comum seria «linguagem», a linguagem do dia-a-dia, desprezada e sem forma escrita. Era, no entanto, mesmo sem nome, uma língua completa. As línguas vão mudando ao longo dos séculos, transformando-se e dividindo-se, mas – na oralidade – nunca estão numa fase imperfeita ou decadente. Estão sempre em contínua mudança. (A escrita é outra história…)

Agora, a surpresa: a tal linguagem que saía da boca de Afonso Henriques desenvolveu-se, a partir do latim vulgar, numa parte do que é hoje o Norte de Portugal – mas também na Galiza. Naquele momento, não havia uma fronteira linguística entre o novo reino e o reino a norte. A língua de Afonso Henriques era a língua latina própria do território da antiga Galécia romana. Para sermos precisos, a língua desenvolveu-se numa parte do território da Galécia, que incluía parte daquilo que é hoje o Norte de Portugal e a Galiza, como explicado no livro Assim Nasceu Uma Língua, de Fernando Venâncio, excelente leitura para quem quiser saber mais sobre a origem da nossa língua.

Por altura da fundação do reino, a tal linguagem da rua, a língua da Galécia, começou a ser escrita – e há, aliás, muito boa literatura naquilo que hoje chamamos «galego-português» (um nome que ninguém usou até muitos séculos depois). A língua própria da antiga Galécia era uma língua que chegou a ser usada pelos reis castelhanos para escrever poesia – e foi usada, como aprendemos na escola, por D. Dinis na sua poesia e, cada vez mais, em documentos oficiais. Era o nosso português antes de se chamar português.

A língua da Galécia tornou-se a língua do novo reino de Portugal. Com alguma naturalidade, séculos depois, começou a aparecer o nome de «português» como designação da língua do reino – sem que a língua deixasse necessariamente de ser a mesma que se falava ainda a norte do Minho, na Galiza.

E no Sul? Na altura em que Afonso Henriques se tornou rei de Portugal, o Sul estava sob domínio muçulmano. A língua da população era, no entanto, o moçárabe, ou seja, a particular evolução do latim no Sul da península. Com a expansão do novo reino de Portugal para sul, a língua do Norte começou a invadir os novos territórios, sofrendo algumas influências do moçárabe e, através deste, do árabe. A língua da Galiza e do Norte tornava-se, também, a língua do Sul de Portugal.

Como a capital ficou estabelecida em Lisboa, a forma particular da língua nessa cidade ganhou um prestígio particular, sem que tal significasse que fosse, de alguma maneira, a melhor forma de falar a língua. No Norte, o português continuou a ser falado como sempre foi. Mesmo na Galiza, onde a língua foi, durante séculos, raramente usada na escrita, a população continuou a falar, pelos séculos fora, algo muito próximo do que saía da boca dos portugueses do Norte […]».

(Ler completo em Certas Palavras)

Marco Neves: “Espero abrir os olhos aos leitores portugueses para a proximidade real entre o português e o galego”

A Através editora, chancela editorial da AGAL, desejava desde quase o seu início publicar um livro sobre a questão identitária da nossa língua, na Galiza, mas de uma ótica portuguesa. Então apareceu um dos melhores candidatos, Marco Neves, professor na Universidade Nova de Lisboa, tradutor, autor de vários livros de divulgação linguística e do imperdível blogue, para os amantes do facto linguístico, Certas Palavras.

Marco, o título do livro é uma pergunta. Dá para ser respondida com uma sílaba ou precisamos de mais?

Dá para ser respondida com uma sílaba — é o que muitos fazem na Galiza quer a sílaba seja «sim» quer seja «não». Em Portugal, dificilmente encontramos alguém que tenha uma resposta tão rápida… Caímos, facilmente, num «não» hesitante, que será a resposta mais óbvia a uma pergunta que raramente ouvimos. Depois, há também casos em que a pergunta é incómoda. Ora, neste livro, tento mostrar a razão por que há quem faça a pergunta, o que — espero — irá abrir os olhos aos leitores portugueses para a proximidade real entre o português e o galego. Ou seja, sim, podemos responder à pergunta com uma sílaba, mas eu proponho mais umas quantas sílabas antes de chegarmos a alguma conclusão. Estou em crer que essas sílabas extra serão uma boa surpresa.

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