Denis Vicente : «Onde quer se fale a língua portuguesa, de um modo peculiar a cada região, fala-se também o galego»

NATÁLIA CORREIA (C/ RUI CARDOSO), CANTIGAS DE AMOR E DE AMIGO DOS TROVADORES GALEGO-PORTUGUESES. 1974, GUILDA DA MÚSICA; Vinil LP, PT, DP038

«[…] Como já afirmamos anteriormente, o mero estabelecimento de fronteiras políticas, por si só, não estabelece uma fronteira linguística. Hoje, séculos após a Reconquista e o colonialismo do século XVI, o galego e o português ainda possuem enormes semelhanças. Semelhanças que não se restringem apenas a variante do português falado na Europa.

Uma familiaridade que atravessou mares e continentes. Onde quer se fale a língua portuguesa, de um modo peculiar a cada região, fala-se também o galego. Assim a iniciativa de conhecer mais a língua galega torna-se instrumento de aproximação de povos que compartilham cultura e identidade.

É comum que desde sempre estudemos a língua portuguesa através de suas reminiscências mais óbvias. A tradição formalista da maioria das gramáticas do português no Brasil não nos deixa mentir. Mas tornou-se insustentável continuarmos a dirigir nossos olhares somente para a Lusitânia e para a Península Itálica. É preciso lembrarmos da Gallaecia.

Um de nossos maiores poetas cantou a língua portuguesa como a “última flor do Lácio”. Uma perspectiva um pouco lúgubre, a meu ver. Prefiro imaginar que a língua que falamos aqui no Brasil é uma folha nova. Uma folha de uma árvore que tem suas raízes assentadas não em Roma ou em Lusitânia, e que continua florescendo e frutificando. Uma folha da árvore da Galiza».

Cf. Quilombo Noroeste

 

10 de xuño: Dia de Camões no Círculo de Artesáns da Coruña

Por segundo ano celebraremos o dia de Camões no Círculo de Artesãos da Corunha (também conhecido por Circo de Artesáns e com nome oficial de Sociedad Recreativa e Instructiva de Artesanos), sociedade fundada em 1846 e sempre sediada na rua Sto. André, número 36, da cidade de Hércules. O evento de novo conta com a colaboração da revista Palavra Comum.

Com esta instituição, a mais velha da Galiza e uma das mais antigas de Espanha na sua categoria, tivo colaborado um dos grandes vultos do teatro e a cultura galegas no século XX: Jenaro Marinhas del Valhe. Nas suas palavras nos apoiamos para defender a necessidade de celebrar Camões e com ele o interesse dos galegos polos clássicos portugueses:

«Havemos de acentuar a nossa atenção sobre as publicações dedicadas aos escritores clássicos da literatura portuguesa, já que atingem marcadamente a nossa própria literatura galega. Toda literatura que se preze assenta-se sobres um seu período de madurez que apelidamos clássico, e a ele deve dirigir a mirada todo o que pretenda estudá-la ou ocupar um lugar no estamento das letras. Mas não de nenhum jeito para imobilizar-se nos seus esquemas ou cânones estilísticos, unicamente para não se perder de si, para não outrizar-se em expressões estranhas».

E nos mesmo quadro de referencias, o professor Marinhas fazia constar dous aspetos muito relevantes da História da literatura galega, que poucas vezes se reconhece como faz falta: que carecemos de clássicos próprios e que os nossos maiores vultos literários se têm expressado total ou maioritariamente em castelhano.

Todas estas razões, e outras mais, muito melhor exprimidas foram já gravadas por mim na homenagem a Jenaro Marinhas de 2008:

Fátima Barros: “Um idioma no que te podes comunicar com quase 3 milhões de galegos e com gente de 9 países que pertencem à lusofonia, que sumam uns 270 milhões de falantes”

Fátima Barros

Fátima Barros, que fai divulgaçom médica através das redes sociais, falou da ciência em galego e abordou o papel das redes sociais como canal de divulgaçom científica.

«…Fátima Barros, que fai divulgaçom médica através das redes sociais, falou da ciência em galego e abordou o papel das redes sociais como canal de divulgaçom científica. Ademais, dentro da sua exposiçom, a criadora diz, no minuto 2:15 “um idioma no que te podes comunicar com quase 3 milhões de galegos e com gente de 9 países que pertencem à lusofonia, que sumam uns 270 milhões de falantes, eu creio que muita fronteira nom cria”. As suas contas som @paxarinha e @recunchomedico em Instagram, e @recunchomedico em Tiktok…».

CF.: Divulgadora científica Fátima Barros destaca a comunicaçom com a lusofonia como argumento a favor do galego – PGL

Christian Salles: “Os galegos falantes que emigraram para os países hispânicos da América Latina perderam a fala. Os que emigraram para o Brasil frutificaram”

Christian Salles

[…] Julgas que o português está a caminhar de uma forma firme para uma perspetiva pluricêntrica, com uma língua que nos liga e diferentes formas padrão nos diferentes territórios, enfim, uma sinfonia de sabores?
A nossa língua comum já era pluricêntrica antes mesmo de criarem este conceito. Somos um gigante cercado por nações hispanofalantes e não nos incomodamos com isso. Somos em geral monolíngues e não temos noção do potencial que é o galego-português moderno. Sim, também temos os nossos complexos de inferioridade, mas para nossa sorte, não nos submetemos a outra língua administrativa. Claro, são histórias e complexidades diferentes.
Perdemos as nossas línguas nativas, como também vocês perderam. Temos vocábulos não latinos, como vocês têm vocábulos galaicos, mesmo não sabendo que são. Quanta falta faz o professor Higino Martins Esteves. Ainda vou fazer algo mágico com a sua obra.

Somos o fruto da infusão linguística estrangeira (portuguesa) com temperos ameríndios e africanos. Isto não fez do nosso português uma outra língua como deliram alguns autores brasileiros. Assim como galego que tocou o centro e sul da península ganhou temperos moçárabes, mas isto não transformou a língua em outra. Novamente, as comparações com o caso galego são inevitáveis. É preciso mais que uma próclise ou ênclise para determinar que o que falamos poderia ser considerado um novo fruto híbrido. São estes falsos determinismos que os ilusionistas dialetológicos sustem o pão de cada dia na nossa velha desconhecida Galiza.

Foco no pluricentrismo, organizações que buscam falar português em blocos econômicos, país que não fala uma vírgula de português como representante na CPLP, país que não protegeu as línguas de nações históricas (hoje sem soberania administrativa) aceito como observador da mesma CPLP.

Agora, olhemos para os mortais. A diáspora da nossa língua está em toda parte, seja a feita por nós brasileiros, seja a feita pelos portugueses que tanto andaram e andam pelo mundo e como também pelas nações africanas que receberam essa herança linguística. Olho para as falsas afirmações do que é língua comum e o que são línguas com traços da nossa língua, mas que não permitem uma comunicação inteligível. Só posso considerar o primeiro caso, o segundo é pura nostalgia.

Em muitos sítios das diásporas evaporaram a fala, que é evidentemente substituída com as novas gerações as falas do território. Então, só há a preservação da língua se houver vontade recíproca dos portadores da fala e dos que seguirão o legado. Se os pais não incentivam os filhos, é o fim. Se os emigrantes não promovem associações e núcleos de trocas culturais, de debates, de estudos, é o fim.  Se a língua não tem valor, porque os filhos vão querer aprender.

Os galegos falantes que emigraram para os países hispânicos da América Latina perderam a fala. Os que emigraram para o Brasil frutificaram.

Atenção a dois casos, ambos na Crunha. Há brasileiros, não são poucos, que não querem que os filhos falem português (e nem galego). Fazem negócios nas redes sociais e nos cartazes dos seus estabelecimentos em castelhano. Recusaram-se a falar em português quando um conhecido meu solicitou manter a comunicação na mesma fala, sendo ele galego falante. Complexados?

Acho que cheguei ao ponto que podem interessar mais ao caso galego. Dentro das fronteiras, quando os pais desestimulam os filhos, fora das fronteiras, o caso é parecido com os brasileiros.

[…] Estou falando que o “português” é considerado como língua estrangeira e o castelhano como língua natural. Estou falando da baixa oferta de cargos de professores de língua portuguesa, e de desatenção ao ensino do próprio galego.
Estou falando da Lei Paz-Andrade que é letra morta, e do plurilinguismo que foi um desastre legal-administrativo com consequências irreparáveis para a nossa língua na Galiza.

O português precisa converter-se como um complemento natural ao galego, e nunca como algo substitutivo. Pelo menos nesta geração. Até que um dia possam entender que aulas de português na Galiza teriam apenas um outro nome, mas de forma mais inclusiva, adaptada ao léxico galego.

Ainda estou no público interno, estou falando de parcerias com editoras portuguesas e brasileiras, para que obras clássicas e modernas de diversos gêneros fossem sentidas em outras partes, assim como autoras e autores contemporâneos. Este é o despertar de consciência.

Sigo e insisto que o ensino do galego precisa de amparo político, e o modelo atual de gestão é involutivo para a liberdade da própria fala do povo e sua escrita.

Vídeos de música, entrevistas, documentários precisam estar legendados na escrita compartilhada. Isto precisa ser subliminar, proposital. Filmes, séries e desenhos animados precisam estar legendados igualmente.

Vamos ao público externo, que nem sabe o que reintegrado significa. Estes são os observadores, os formadores de opinião, os interessados, os pesquisadores, os curiosos. Aqui estou eu, como outros aqui e acolá. Mas nós não entendemos nada da formação dos estados ibéricos, não sabemos como derivou a Galiza, não sabemos nada sobre os problemas sociolinguísticos aos quais vocês foram submetidos.

Utilizem as ferramentas modernas ao seu favor, promovam palestras de forma remota com jornalistas, historiadores, linguistas, políticos, antropólogos, sociólogos. Quantas faculdades de letras há no Brasil? Sabemos que é caro o envio de missionários, congressistas para promoverem encontros presenciais, mas esta barreira já foi superada pelas novas tecnologias, basta o primeiro contato com as reitorias e diretorias destes centros acadêmicos. Abrir um fluxo constante e periódico retroalimentado com os mestres e alunos (futuros professores) pois estes serão os próximos formadores de opinião sobre a esquecida Galiza e a sua opcional forma de escrita.

Mas este diálogo está além das universidades e dos profissionais liberais. Estou falando de conversas remotas entre institutos, alunos conversando com alunos, jovens dos dois lados descobrindo novos sotaques, encontros poéticos, parcerias musicais, lançamento de livros, contatos historiográficos e efemérides, contos, lendas e tradições, folclorismo, danças, gastronomia, turismo, relações comerciais.
Isto será o fruto dos primeiros contatos com os professores e universidades, mas também de políticos e empresários.

É assim que o reintegracionismo entrará na consciência da coletividade galega, quando entenderem que podem comunicar-se além das quatro províncias atuais vai muito além da boa conversa, mas na capacidade de atingirem um potencial de recursos humanos e econômicos.

Aqui dizemos, “uma andorinha só não faz verão”[…].

Source: Christian Salles: “Os galegos falantes que emigraram para os países hispânicos da América Latina perderam a fala. Os que emigraram para o Brasil frutificaram” – Associaçom Galega da Língua

Xosé R. Castro: “Sigue habiendo fronteras”

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«Isaac Vicente Landín, Chispas, lanzador de referencia en martillo, dispuso durante mucho tiempo las llaves del complejo deportivo de Vila Nova de Cerveira para ir a entrenar cuando le acomodase. La factoría de José Manuel Hermida viajó de un modo asiduo a la localidad fronteriza para sentar las bases de su colección de medallas posterior. En los tiempos en que la pista cubierta era una quimera en Galicia, Braga fue el refugio de muchos atletas, del sur y del norte, que se desplazaban en la temporada invernal a los controles del país luso para hacer mínimas que luego les llevasen al Campeonato de España.

En el sentido inverso, la presencia de atletas portugueses en pruebas de cros, ruta o de cualquier disciplina siempre son bien recibidas en Galicia, e incluso hubo un tiempo no tan lejano en donde se pensó en celebrar un gallego de pista cubierta en Braga ante las deficiencias infraestructurales a este lado de la raia. Todo con la más absoluta normalidad, en un ambiente de colaboración. Por eso, durante muchos años los atletas del norte de Portugal y de Galicia demostraron que el Non hai fronteiras de Tanxugueiras es real en esta esquina del noroeste.

Por eso, y sin entrar en temas de índole legal, es difícil de entender que cuando el vecino que siempre te acoge en su casa con los brazos abiertos necesita un pequeño favor, la negativa llegue a 500 kilómetros de distancia. Quizás por desconocer las realidades entre los dos países.»

Cf. “Sigue habiendo fronteras” en La Voz de Galicia