Para isso, e com o apoio da Deputación da Coruña, hoje falamos com Antón Baamonde, filósofo e autor, entre outros, do livro Unha Nova Olanda.
As relações socioeconómicas com Portugal som um dos focos do teu último livro Unha nova Olanda. Porquê?
Na realidade, o primeiro que me fascinou, aquilo polo qual tivem interesse desde muito cedo, foi a cidade como carácter e como espetáculo. Continua a ser assim. Parece-me difícil de entender que entre nós o imaginário urbano tenha sido, até há pouco, desatendido e desprezado. O espaço simbólico era ocupado pola visom ruralizante sem atençom nenhuma à história urbana ou aos fenómenos de hibridaçom e mestizagem suburbana. No entanto, “Celtas sen filtro”, uma comédia de Méndez Ferrín, estreada nos anos oitenta, com muito sucesso no seu tempo, caminhava por esse carreiro.
Tanto era assim que nos meus vinte anos estava abduzido pola semiótica – era um fã de Eco&Barthes&co – e se me sentava, por pôr um exemplo, nos jardins de Méndez Núñez na Corunha, ou na Praça do Marqués de Santa Ana em Madrid, ficava com os olhos esbugalhados perante o espetáculo urbano.
Os anos oitenta fôrom o momento de descolagem da moda, por exemplo, como fenómeno social de massas. Uma das consequências, que me fascinava imensamente, era observar como as diferenças de classe através da vestimenta, muito marcadas antes, se desvaneciam em grande medida. A isso colaborárom empresas galegas como Zara, Adolfo Domínguez ou Verino, que nascêrom ao abrigo dessa transformaçom simultânea do gosto, da economia e da sociologia.
Isso parecia-me progresso – a propósito disto, hoje creio que voltam a crescer essas diferenças na moda. Porém, como leitor das Mitologias estava interessado em desentranhar os mistérios da mobilidade social e os novos modos psicossociológicos da conduta de massas. O trânsito duma sociedade atrasada – a espanhola – segundo parâmetros europeus à modernidade. Tenho espírito de flâneur, sem dúvida.
Outras leituras – Simmel, Sennett, Benjamin – aumentárom o meu interesse polo fenómeno urbano em modos que seria longo explicar aqui. Mas tudo isso foi dando um substrato que me levou a tentar pensar sobre o diferente carácter das respetivas cidades galegas fundado nas diferentes histórias e especializações socioeconómicas.
A Portugal, ao Porto, fum, durante muitos anos, regularmente. Quando ainda havia fronteira, nom havia autoestrada, e era uma viagem. Estava “tão perto e tão longe”… Ia comprar livros à livraria Leitura, cear no Mal Cozinhado com fundo de fados e a dar uma volta pola Baixa. Portugal chamava-me a atençom polo ponto “british” e o carácter amável e discreto dos naturais. Essa frase de Thomas Bernhard: “Portugal é o último país educado da Europa”.
Ora bem, a visom de Portugal e da Galiza como um fenómeno entrelaçado, nom num sentido histórico ou cultural, mas como uma eurorregião, uma projeçom de futuro, véu da minha amizade com o urbanista Juan Luís Dalda. Ele estava a par das diretivas europeias sobre a questom – foi a UE que reviveu o assunto – e tinha muita relaçom com arquitetos como Nuno Portas e urbanistas portugueses, especialmente do Norte. Tinha também certa relaçom com o PSdeG e na altura, se a memória nom me falha, a câmara municipal do Porto estava governada polo PS. Absorbim essa perspetiva dele.
Em que ponto se encontram as relações económicas entre a Galiza e o Norte de Portugal?
Devo esclarecer que eu nom sou um economista, antes bem um ensaísta e um curioso que lê dados e estudos. Assim que vozes mais autorizadas do que eu podem oferecer números precisos. Uma vez dito isto, Portugal é o principal investidor forâneo na Galiza e som centenas as empresas galegas que operam em Portugal, atraídas, especialmente, polos baixos salários. Ao mesmo tempo, é evidente que do ponto de vista da logística – e nom é um assunto menor –, a continuidade é absoluta.
O poder de atraçom também deriva do dinamismo do Grande Porto. Nom há muito, um documento da UE situava o Norte de Portugal como uma das regiões europeias com um índice de inovação mais alto. De facto, a olho nu, Portugal mudou talvez mais do que a Galiza nestas décadas, o que nom é pouco. Há que supor que, com a passagem do tempo, as diferenças de salário irám reduzindo-se.
Uma vez eliminadas as fronteiras políticas, é evidente que os nexos nom podiam mais do que crescer, polos imperativos da geografia, polas complementariedades económicas e demográficas, pola dimensom atlântica dos dous países, e, em definitivo, pola proximidade cultural e anímica. E assim aconteceu. E nom cabe dúvida que, salvo catástrofe geopolítica – dissoluçom da UE e retorno das fronteiras – continuará a ser assim.
Obviamente, nom pode ser esquecido o papel da Uniom Europeia, que tentou promover as realidades transfronteiriças. Foi a UE, mais do que os Estados respetivos, que promoveu o fenómeno. Espanha é centralista, Portugal também, ainda que a tensom Lisboa-Porto matiza o asserto.
O dinamismo da economia galega ou da economia portuguesa entendem-se sem a outra parte?
Sim e nom. É evidente que os Estados pesam, e pesam muito. A economia galega evoluiu ou transformou-se ao ritmo das mudanças em Espanha, da rápida desagrarizaçom a partir da década de sessenta à crise do setor naval e a reconversom industrial dos anos oitenta, passando pola rápida extensom do setor serviços como vetor económico e social fundamental a partir dos anos noventa.
Ora bem, a longo prazo, olhando para a frente, as duas economias estám chamadas – até diria condenadas – a combinar-se. Pouco a pouco está-se a desenvolver uma economia de aglomeraçom, na qual as sinergias entre as respetivas empresas e sociedades é cada dia maior.
Tome-se como exemplo paradigmático o papel do aeroporto Sá Carneiro, que se converteu na grande terminal de tráfico aéreo do noroeste penínsular. Os portugueses têm uma área urbana – a do Porto – maior, certamente, mas também decidírom mais depressa, com mais visom, sem o freio dos localismos um pouco absurdos da parte galega. Na parte galega, as diversas cidades som capazes de disparar um tiro no próprio pé só para nom planificarem e/ou colaborarem umas com outras em determinadas infraestruturas. Na realidade, se a Galiza nom se despachar, provavelmente será Portugal quem mais se beneficie dessa interrelaçom.
De resto, se dermos uma olhada à Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030, especialmente na epígrafe Os futuros possíveis de Portugal (1) elaborada polo governo português de António Costa, poderá comprovar-se que uma parte do que ali se afirma também se poderia defender para os futuros possíveis da Galiza.
O dinamismo da área económica galego-portuguesa é já anterior à União Europeia?
Até onde sei, a descolagem foi consequência da integraçom de Espanha e Portugal na UE. Na segunda metade do século XX essa interrelaçom era muito pequena. Franco e Salazar desconfiavam um do outro. Nom há nem que dizer que toda a política exterior portuguesa, incluindo a relaçom com o mundo anglosaxom, era uma maneira de afastar o fantasma, existente ao menos desde Aljubarrota, da absorçom espanhola.
Se formos muito atrás no tempo, a interrelaçom existia: havia muita emigraçom galega, sobretudo do sul da Galiza, para Portugal, nomeadamente para Lisboa. Para ir a Madrid de trem a partir de Vigo houve um momento em que a rota preferível era por Lisboa. Pode lembrar-se o caso, tam especial, de Manuel Cordo Boullosa, originário de Ponte Caldelas, uma das grandes fortunas de Portugal com um extraordinário leque de negócios: foi, entre tantas outras cousas, um dos fundadores da GALP. Nunca renunciou à sua identidade galega e, de facto, o palácio onde fica o Centro Galego de Lisboa foi uma doaçom dele. Por outra parte, a instalaçom da refinaria em Arteixo, se a memória nom me falhar, tivo algo a ver com ele.
Na minha experiência, falo dos oitenta, nom lembro que houvesse presença galega do outro lado do Minho. Nem um escritório das caixas, por exemplo. Nada. Já agora, galego em Portugal, como na América latina, era uma expressom depreciativa. Lembro uma certa ocasiom, naqueles anos, em que conheci um casal de portugueses no Porto: quando nos referimos a nós mesmos como “galegos”, desatárom a rir..
A Galiza e Portugal conformam um espaço geográfico estratégico no mundo atual (fachada atlântica)?
A Visão Estratégica portuguesa inclui este parágrafo:
“Primeiro, uma economia atlântica, no cruzamento das redes da globalização, potenciando o seu recurso geográfico. Para isso, é necessário o país criar um novo quadro mental, valorizar todos os seus ativos e inseri-los nas redes globais, sintonizando Portugal como novo ciclo de desenvolvimento da Bacia Atlântica, que vai desempenhar um papel importante na geopolítica do século XXI. Para isto ser possível, é muito importante o país ter um planeamento estratégico, definir os objetivos, atribuir os meios e as responsabilidades e monitorizar a execução. Como dizem os anglo-saxónicos: Failing to plan is planning to fail.”
O mesmo vale para Galiza.
As relações económicas vão à frente das sociais, culturais ou institucionais? Qual o papel das eurocidades a tentar todas as vias de integração?
Poderia pensar-se que, do mesmo modo em que a Uniom Europea foi um derivado posterior da originária Comunidade Económica do Carvom e o Aceiro (CECA) essa integraçom económica da Galiza e Portugal pode dar lugar a futuras formas de relaçom social, linguística e cultural. Mas nom deve entender-se essa possibilidade como um jeito de determinismo. Depende da política, em sentido amplo – a evoluçom histórica – e em sentido restrito – as acções de governo – que essa possibilidade poda tonar-se efetiva. Mas poderia dar-se o caso de que a integraçom económica fosse um êxito e a Galiza continuar a perder singularidade.
Além disso, nom se pode deixar de constatar que existem suspicácias. A cidade que mais se sente ameaçada polo desenvolvimento da área do Porto é Vigo. Basta ler o Faro de Vigo – um jornal que dá certa importância às notícias económicas – para entender que, por exemplo, a ampliaçom do porto de Leixões é visto com certo temor a que se repita o êxito do Sá Carneiro. Possivelmente Abel Caballero e outras elites locais julgam que promover uma maior cooperaçom com o Porto e o Norte de Portugal pode ser mais benéfica para essa cidade do que para Vigo.
Penso, no entanto, que no caso particular de Leixões, nom existe muito perigo, entre outras coisas porque as condições naturais do porto de Vigo som muito melhores do que as do cais português. E a especializaçom de Vigo em congelados e distribuiçom de fruta é difícil que venha a ser comprometida.
No cômputo total, a Galiza tem muito que ganhar a promover as relações mútuas – é a tese que defendo em Unha Nova Olanda , mas é certo que Portugal provavelmente ganhe mais. Nom deveria haver problema. A alternativa, a falta de integraçom, é ostensivelmente pior.
A reintegração linguística tem um papel entre as outras integrações todas que parecem querer avançar?
Tem um papel. Se em Portugal falassem swahili talvez fosse diferente. Mas qualquer galego é muito fácil entender-se em Portugal e vice-versa. Mesmo a falar castelhano, que é o idioma com o qual os portugueses costumam dirigir-se a nós, ainda que o interlocutor lhes fale em galego.
Ora bem, é perfeitamente possível que a interrelaçom nom implique uma maior valorizaçom do galego em Portugal, ou mesmo do português na Galiza.
A comunidade de interesses deveria ser um bom substrato para trabalhar as afinidades, também no plano antropológico, linguístico, cultural, etcétera. Mas seria ingénuo pensar que sem certa predisposiçom, sem atitudes e políticas expressas, isso vai acontecer sem mais.
Pola parte positiva, fica, obviamente, que é mais fácil implementar essas afinidades com uma mais profunda interrelaçom do que a viver de costas. Isso é evidente.
Uma maior presença do português no ensino poderia ser um incentivo ao um maior fluxo económico entre a Galiza e Portugal?
A Extremadura espanhola tem mais aulas em português do que a Galiza. É uma anomalia evidente. A Iniciativa Paz Andrade – defendida no Parlamento galego polo meu amigo Xosé Carlos Morell – deveria ser levada mais a serio. Por outro lado, talvez houvesse que explorar, para além dos vínculos económicos, os mediáticos.
Que opinas de instituições como o Eixo Atlântico ou a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal?
Som instituções muito precárias e de escasso peso. Nom há por parte dos Estados respetivos uma aposta contundente. Como sempre, tudo depende da vontade política. Da vontade política dos Estados em primeiro lugar – Espanha e Portugal. E, em segundo lugar, também da vontade e visom das instituções galegas e portuguesas – Xunta, concelhos, empresários, câmaras municipais e outras entidades do norte português. Ainda, evidentemente, é importante o papel das sociedades civis respetivas, signifique “sociedade civil” o que significar.
Portugal apostou na Alta Velocidade para a faixa atlântica e na Galiza essa música soa bem a todos os atores políticos e económicos. Caminhamos para uma megacidade Lisboa-Ferrol?
A prioridade de Portugal, antes do AVE Lisboa-Madrid, é conectar Portugal com a fachada Atlântica. Para norte com a Galiza e para sul com a Andaluzia, especialmente Algeciras, o grande porto ibérico de contentores. Olhando o mapa pode observar-se que existe um contínuo de populaçom na faixa atlântica até Sétubal, nom mais abaixo, nem para o interior. A Galiza e Portugal partilham um padrom nesse sentido.
Existe um interesse objetivo português por desenvolver uma península ibérica em rede que favorecerá – mas estamos a falar de décadas – o desenvolvimento dessa conurbaçom costeira que nom eliminará as singularidades das diversas culturas urbanas, nem das galegas nem das portuguesas.
Ao mesmo tempo, essa oportunidade de desenvolvimento é uma alternativa a que a economia e a sociedade galegas podam ficar fagocitadas até um determinado nível polo extraordinário imã centrípeto da capital espanhola.
O hinterland de Madrid tem um extraordinário poder de atraçom – um magnetismo derivado da concentraçom de recursos e de determinados fenómenos associados à globalizaçom. Ora bem, esse carácter de cidade global de Madrid dá uma base económica ao centralismo. Em sentido contrário, o policentrismo, uma certa difusom da atividade económica, favorece soluções federais, mais equilibradas territorialmente.»
Cf. PGL