Xoán Vázquez Mao e Fernando González Laxe falam para o PGL sobre as ligações entre Galiza e Portugal
Entendendo a importância estratégica das ligações comerciais e económicas da Galiza com o Norte de Portugal, e as implicações e facilidades que a língua comum pode achegar nesse âmbito, a AGAL lança um novo desafio, consultar vozes autorizadas que possam deitar luz sobre a importância do estudo do português como ferramenta para as interações transfronteiriças.
Para isso, e com o apoio da Deputación da Corunha, hoje falamos com o secretário-geral do Eixo Atlântico, Xoán Vázquez Mao e mais com o diretor do informe socioeconómico do Eixo Atlântico, Fernando González Laxe.
Nos últimos tempos tem crescido o interesse no Eixo Atlântico -como instituição e como coesão- ou é só aparência?
Xoán Vázquez Mao: “Quando falamos do interesse do Eixo, há que diferenciar dois aspetos, o interno e o externo. O interesse do Eixo no aspeto interno mantem-se em alta, e cada vez mais, como demonstra o facto de que segue havendo pedidos de Municípios para o integrarem, que nem todos são aprovados porque dependem de vários fatores, mas neste momento já há um novo Município português que se incorpora no mês de janeiro com o que alcançaremos o número de 42”.
“No que se refere ao interesse externo, tem muito que ver com as atividades e com a parte mediática. Por exemplo, quando há Jogos, são mais de 2000 participantes, o que implica tanto eles como as suas famílias, que fazem acompanhamento das atividades em que participam os filhos. Porque os Jogos são algo singular. Logicamente o interesse das pessoas cresce quando se refere a atividades como a deste ano, a Capital Cultural do Eixo em Lugo, pois obviamente Lugo tem estado em primeira linha do foco. Ou quando os meios de comunicação reproduzem informações nossas e, aí, aos meios de comunicação o que lhes interessa são sempre as infraestruturas. Portanto, o interesse no âmbito externo depende destes fatores”.
A teu ver, em que ponto/momento se encontram as relações económicas entre a Galiza e o Norte de Portugal?
Fernando González Laxe: “Com grande intensidade, reflexo de uma maior confiança mútua entre ambas as formações. Não só se constatam investimentos de um lado ou do outro, mas também existem alianças interempresariais robustas que reforçam a mencionada combinação de interesses de forma a aproveitar as vantagens comparativas e locais”.
No mundo da pesca existem uns interesses compartilhados ou contrapostos entre a Galiza e Portugal?
Fernando González Laxe: “O sector das pescas está regulado pela Comissão Europeia. Por vezes, os interesses manifestados pelas frotas galegas e portuguesas não são bem explicitados ou não são aceites pela Comissão Europeia. Deveria existir uma melhor aliança sectorial para defender os interesses em Bruxelas. Não existem, pois, contraposições; existe uma falta de cooperação”.
O dinamismo da economia galega ou da economia portuguesa entendem-se sem a outra parte?
Fernando González Laxe: “São economias bem distintas, pois correspondem a realidades sociais e territoriais diferentes. Mas, têm características comuns: são economias atlânticas, marítimas e periféricas no quadro europeu. Possuem, também, uma ampla dependência dos recursos naturais, uma forte densidade populacional e uma estrutura empresarial singular onde predominam as pequenas empresas”.
O dinamismo da área económica galego-portuguesa é já anterior à União Europeia?
Fernando González Laxe: “Sem dúvida nenhuma, fazem parte de um espaço próprio e singular dentro da Europa policêntrica e diversa. Ao longo destes últimos anos melhoraram em termos de convergência, mas ainda são dependentes da evolução dos ciclos económicos. Ou seja, têm baixos índices de resiliência. Mas não significa que estejam apenas apostando por na liberdade do que é denominado “armadilhas do desenvolvimento”. Agora encaram o futuro com base em apostas tecnológicas e logísticas que deveriam permitir melhorar a competitividade e o posicionamento exterior”.
A Galiza e Portugal conformam um espaço geográfico estratégico no mundo atual (fachada atlântica)?
Xoán Vázquez Mao: Há que diferenciar Galiza e Portugal de Galiza e Norte de Portugal. Se falamos de Galiza e Portugal tudo, sim, configuramos um espaço estratégico porque somos a fachada marítima atlântica da Península Ibérica. E, dentro do que é o Atlântico Europeu ―que a seguir vem logicamente o atlântico africano― constituímos um dos quatro grandes eixos de referência, que são o espaço Báltico, toda a zona de Roterdão, a zona francesa de Le Havre ―quase podíamos dizer de Le Havre a Cherbourg― e, a nossa zona, mas logicamente também com o interesse da zona cantábrica entre Xixón e Bilbo. Mas, face ao Mercosul, face à América do Norte e face ao canal do Panamá, nós temos uma posição estratégica que, em termos de logística marítima, Portugal sabe gerir muito melhor do que Espanha e também muito melhor do que a Galiza. Se falamos de Galiza e o Norte de Portugal, então estamos a falar de uma eurorregião com grandes potencialidades em todos os âmbitos, porque 7 milhões de habitantes nos configuram como a terceira área urbana da Península Ibérica e estamos entre as 10 áreas urbanas mais importantes da Europa, com Lisboa à frente, o que não quer dizer que os poderes políticos nem da Galiza, nem de Espanha o entendam.
As relações económicas vão à frente das sociais, culturais ou institucionais? Qual o papel das eurocidades a tentar todas as vias de integração?
Fernando González Laxe: “Certamente os vínculos históricos e culturais são a base do desenvolvimento dos povos. Nos nossos casos são muito evidentes e sublinham os nossos comportamentos. Estamos, pois, em dívida com a história e as tradições. Ou seja, mantemos o legado herdado”.
Os vínculos culturais e históricos são importantes para fortalecer os laços económicos? E vice-versa?
Xoán Vázquez Mao: “Os vínculos culturais e históricos são a argamassa e a base da Eurorregião desde que éramos Galaecia, e são importantes para fortalecer os laços económicos? Bem, os laços económicos movem-se por outras vias, num mundo globalizado, onde a história e a cultura não têm necessariamente uma relação direta. Têm uma relação, pois, de competitividade, da inovação, da complementaridade. E o reforço dos laços económicos vai reforçar os laços e os vínculos culturais e históricos? Não, porque, insisto, estamos a falar de uma economia globalizada. Se se pergunta se vai reforçar os laços sociais, diria que sim, mas os históricos estão escritos, não têm que ser reforçados com nenhum elemento novo e os culturais lamentavelmente não têm uma relação direta com a economia”.
A reintegração linguística tem um papel entre as outras integrações todas que parecem querer avançar?
Xoán Vázquez Mao: “Vamos ver, aqui a integração que avança é a europeia e, portanto, o âmbito europeu é o que nos está a permitir desenvolver políticas que eu não chamaria integração, fomos a mesma gente, somos a mesma gente, portanto pouco temos que integrar. Dentro disso, pois há uma batalha na União Europeia por reforçar as chamadas línguas minoritárias, e aí a temática, a orientação das línguas, já é outro tema que neste momento não está sobre a mesa. É evidente que, há anos, quando se apresentou a normalização linguística e se reestruturou o galego, se se apresentasse o que chamamos a integração de outra maneira mais afastada da política provavelmente poderíamos estar numa posição de convergência que seria muito benéfica para o galego e para o português, mais para o galego, porque chegaríamos a uma comunidade importantíssima entre os países em que se fala galego e português. Apenas os PALOP representam um volume muito importante. Agora, neste momento, acho que o tema da integração linguística não está sobre a mesa. Pelo menos não ao nível que se pergunta. Tem interesse? Claro, tudo o que signifique a convergência entre o galego e o português tem interesse, mas neste momento não está sobre a mesa e, portanto, não tem um papel relevante, poderia tê-lo, mas não o tem agora”.
Uma maior presença do português no ensino poderia ser um incentivo a um maior fluxo económico entre a Galiza e Portugal?
Fernando González Laxe: “Para os países avançarem são necessárias dinâmicas que incrementem o fluxo entre ambos. Não são exclusivamente populacionais, comerciais, financeiras, tecnológicas, relacionadas com a informação…, mas também os idiomas e as línguas deveriam ser objeto de uma maior interrelação entre os países. As universidades públicas da Galiza assim o entendem”.
Instituições como o Eixo Atlântico ou a Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal deviam ser revalorizadas? Deviam possuir mais funções e competências?
Xoán Vázquez Mao: “O Eixo Atlântico está suficientemente valorizado e como não é uma instituição pública, mas sim uma associação voluntária de municípios, tem todas as competências que deseja e que pode ter; portanto, não temos nenhum problema. Aliás, consideramos que, como dizia na primeira pergunta, no nosso âmbito estamos muito valorizados. Inclusivamente, se levamos na conta que não somos um serviço público para os cidadãos, mas que resolvemos problemas que nos apresentam os cidadãos, como foi o exemplo da mobilidade entre Norte e Galiza na pandemia, creio que estamos muito bem valorizados sem sermos um serviço público.
O nosso problema não é de competência, mas o que executamos são incumbências. A Comunidade de Trabalho é outra história, a Comunidade de Trabalho hoje em dia praticamente não existe porque a Xunta de Galicia não tem ação exterior e sim, era muito importante que se refundasse completamente, com os passos necessários, com outros atores à frente que entendam e compreendam o que é a ação exterior. Há anos apresentámos uma modificação da Comunidade de Trabalho em que estivéssemos todos (nós somos membros e não somos convocados, nem nós, nem os restantes membros), e sim, deveriam ser cumpridas as normas fundacionais e o regulamento da Comunidade de Trabalho, que não estão a ser cumpridos. Em todo o mandato de Feijó primeiro e de Rueda depois, não foram cumpridos, e nós propusemos há muito tempo que a Comunidade de Trabalho fosse um fórum de discussão e debate dos assuntos relevantes da Eurorregião, e não um conjunto de conferências que não interessam a ninguém. Mas deveria ser um Fórum com todos os atores sentados numa mesa a discutirmos desde questões de economia até questões de infraestruturas, de cultura, de política social, enfim, tudo o que nos afeta. Esta AECT que criaram e que não serve para nada deveu Secretaria executiva da Comunidade de Trabalho, numa entidade que tenta permanentemente contra programar os demais agentes no território”.
Portugal apostou na Alta Velocidade para a faixa atlântica e na Galiza essa música soa bem a todos os atores políticos e económicos. Caminhamos para uma megacidade Lisboa-Ferrol?
Xoán Vázquez Mao: “Aqui há duas questões. Na primeira, entendo que estamos a falar da Alta Velocidade em que Portugal é a locomotiva, mas também a Galiza, não é uma ou outra, não é uma contra outra. É uma linha entre, na atualidade, Corunha e Lisboa, e esperemos que não em demasiado tempo Ferrol e Lisboa. Portanto, aí não há comparação, porque aí o governo espanhol não se preocupava nada. Agora está a desbloquear as fases, pela pressão do Governo Português.
A questão é se caminhamos para uma megacidade Lisboa-Ferrol. Bem, isso não existe, Lisboa e Ferrol não podem ser uma megacidade em nenhum caso, estamos a falar de aproximadamente 500 km entre elas, e com 500 km não se pode construir uma megacidade. Se o que estamos a falar é de um contínuo urbano que vai desde Ferrol, eu não diria até Lisboa, mas até Sines, que ligue os três portos de águas profundas que existem na fachada marítima ibérica ―Ferrol, Corunha e Sines― então sim, há evidentemente esses objetivos, um sistema portuário, um sistema aeroportuário.
Megacidades não, do que estamos a falar exatamente é de policentrismo, isto é, de constituir redes e sistemas de cidades médias que têm mais qualidade de vida e são mais governáveis. As megacidades são fontes de problemas como todos sabemos. Se falamos de um sistema urbano, sim, estamos a falar do sistema urbano do Eixo Atlântico, e se estamos a falar de um contínuo urbano, sim, podemos falar de toda a fachada marítima. Mas claro, cuidado, não deixemos de lado o interior, que precisamente por ser deixado de lado historicamente agora tem mais problemas demográficos que afetam a coesão do território. Portanto, eu não falaria de Ferrol-Lisboa, eu falaria desde o norte da Galiza até ao sul de Lisboa ou inclusivamente, até ao Alentejo. Já chegar até ao Algarve apresenta outras questões que seriam objeto de outras particularidades”.
Cf. PGL