[…] Julgas que o português está a caminhar de uma forma firme para uma perspetiva pluricêntrica, com uma língua que nos liga e diferentes formas padrão nos diferentes territórios, enfim, uma sinfonia de sabores?
A nossa língua comum já era pluricêntrica antes mesmo de criarem este conceito. Somos um gigante cercado por nações hispanofalantes e não nos incomodamos com isso. Somos em geral monolíngues e não temos noção do potencial que é o galego-português moderno. Sim, também temos os nossos complexos de inferioridade, mas para nossa sorte, não nos submetemos a outra língua administrativa. Claro, são histórias e complexidades diferentes.
Perdemos as nossas línguas nativas, como também vocês perderam. Temos vocábulos não latinos, como vocês têm vocábulos galaicos, mesmo não sabendo que são. Quanta falta faz o professor Higino Martins Esteves. Ainda vou fazer algo mágico com a sua obra.
Somos o fruto da infusão linguística estrangeira (portuguesa) com temperos ameríndios e africanos. Isto não fez do nosso português uma outra língua como deliram alguns autores brasileiros. Assim como galego que tocou o centro e sul da península ganhou temperos moçárabes, mas isto não transformou a língua em outra. Novamente, as comparações com o caso galego são inevitáveis. É preciso mais que uma próclise ou ênclise para determinar que o que falamos poderia ser considerado um novo fruto híbrido. São estes falsos determinismos que os ilusionistas dialetológicos sustem o pão de cada dia na nossa velha desconhecida Galiza.
Foco no pluricentrismo, organizações que buscam falar português em blocos econômicos, país que não fala uma vírgula de português como representante na CPLP, país que não protegeu as línguas de nações históricas (hoje sem soberania administrativa) aceito como observador da mesma CPLP.
Agora, olhemos para os mortais. A diáspora da nossa língua está em toda parte, seja a feita por nós brasileiros, seja a feita pelos portugueses que tanto andaram e andam pelo mundo e como também pelas nações africanas que receberam essa herança linguística. Olho para as falsas afirmações do que é língua comum e o que são línguas com traços da nossa língua, mas que não permitem uma comunicação inteligível. Só posso considerar o primeiro caso, o segundo é pura nostalgia.
Em muitos sítios das diásporas evaporaram a fala, que é evidentemente substituída com as novas gerações as falas do território. Então, só há a preservação da língua se houver vontade recíproca dos portadores da fala e dos que seguirão o legado. Se os pais não incentivam os filhos, é o fim. Se os emigrantes não promovem associações e núcleos de trocas culturais, de debates, de estudos, é o fim. Se a língua não tem valor, porque os filhos vão querer aprender.
Os galegos falantes que emigraram para os países hispânicos da América Latina perderam a fala. Os que emigraram para o Brasil frutificaram.
Atenção a dois casos, ambos na Crunha. Há brasileiros, não são poucos, que não querem que os filhos falem português (e nem galego). Fazem negócios nas redes sociais e nos cartazes dos seus estabelecimentos em castelhano. Recusaram-se a falar em português quando um conhecido meu solicitou manter a comunicação na mesma fala, sendo ele galego falante. Complexados?
Acho que cheguei ao ponto que podem interessar mais ao caso galego. Dentro das fronteiras, quando os pais desestimulam os filhos, fora das fronteiras, o caso é parecido com os brasileiros.
[…] Estou falando que o “português” é considerado como língua estrangeira e o castelhano como língua natural. Estou falando da baixa oferta de cargos de professores de língua portuguesa, e de desatenção ao ensino do próprio galego.
Estou falando da Lei Paz-Andrade que é letra morta, e do plurilinguismo que foi um desastre legal-administrativo com consequências irreparáveis para a nossa língua na Galiza.
O português precisa converter-se como um complemento natural ao galego, e nunca como algo substitutivo. Pelo menos nesta geração. Até que um dia possam entender que aulas de português na Galiza teriam apenas um outro nome, mas de forma mais inclusiva, adaptada ao léxico galego.
Ainda estou no público interno, estou falando de parcerias com editoras portuguesas e brasileiras, para que obras clássicas e modernas de diversos gêneros fossem sentidas em outras partes, assim como autoras e autores contemporâneos. Este é o despertar de consciência.
Sigo e insisto que o ensino do galego precisa de amparo político, e o modelo atual de gestão é involutivo para a liberdade da própria fala do povo e sua escrita.
Vídeos de música, entrevistas, documentários precisam estar legendados na escrita compartilhada. Isto precisa ser subliminar, proposital. Filmes, séries e desenhos animados precisam estar legendados igualmente.
Vamos ao público externo, que nem sabe o que reintegrado significa. Estes são os observadores, os formadores de opinião, os interessados, os pesquisadores, os curiosos. Aqui estou eu, como outros aqui e acolá. Mas nós não entendemos nada da formação dos estados ibéricos, não sabemos como derivou a Galiza, não sabemos nada sobre os problemas sociolinguísticos aos quais vocês foram submetidos.
Utilizem as ferramentas modernas ao seu favor, promovam palestras de forma remota com jornalistas, historiadores, linguistas, políticos, antropólogos, sociólogos. Quantas faculdades de letras há no Brasil? Sabemos que é caro o envio de missionários, congressistas para promoverem encontros presenciais, mas esta barreira já foi superada pelas novas tecnologias, basta o primeiro contato com as reitorias e diretorias destes centros acadêmicos. Abrir um fluxo constante e periódico retroalimentado com os mestres e alunos (futuros professores) pois estes serão os próximos formadores de opinião sobre a esquecida Galiza e a sua opcional forma de escrita.
Mas este diálogo está além das universidades e dos profissionais liberais. Estou falando de conversas remotas entre institutos, alunos conversando com alunos, jovens dos dois lados descobrindo novos sotaques, encontros poéticos, parcerias musicais, lançamento de livros, contatos historiográficos e efemérides, contos, lendas e tradições, folclorismo, danças, gastronomia, turismo, relações comerciais.
Isto será o fruto dos primeiros contatos com os professores e universidades, mas também de políticos e empresários.
É assim que o reintegracionismo entrará na consciência da coletividade galega, quando entenderem que podem comunicar-se além das quatro províncias atuais vai muito além da boa conversa, mas na capacidade de atingirem um potencial de recursos humanos e econômicos.
Aqui dizemos, “uma andorinha só não faz verão”[…].