«[…] Apesar de todo o reconhecimento da Galiza como parte fundamental — e genética — da Língua Portuguesa, não é a legitimação estatal e institucional a definir a importância daquele território no seio da história e do futuro da nossa Língua, até porque tais reconhecimentos são, frequentemente, motivados por movimentos estratégicos, que facilmente podem conduzir à instrumentalização em função de agendas de interesses. A Galiza já era indispensável para a consciência linguística do português antes de todo o reconhecimento institucional dos últimos anos, reconhecimento esse que considero importante, mas jamais um substituto das relações vivas que sempre existiram entre galegos e outros falantes da Língua, nomeadamente com os portugueses. Sabemos como os Estados tendem a apropriar-se da memória, e a CPLP é, antes de mais, uma representação dos Estados, por isso lembro que os Estados e as instituições só se viram na inevitabilidade de reconhecer o valor da Galiza para o português porque, antes de nós, homens e mulheres, durante séculos de História, resistiram para que a memória da Língua não se perdesse — e continuarão a fazê-lo. A adesão da AGLP à CPLP é apenas mais um ponto na longa cronologia da resistência da Galiza dentro do Estado Espanhol. Sim, porque é disso que se trata, de resistência.
Começou com Castela a dominar o Reino da Galiza. O franquismo deu continuidade à opressão, proibindo o ensino do galego nas escolas, em benefício do castelhano. Hoje, ainda há uma política violenta por parte de Espanha para eliminar qualquer brecha que ponha em causa a ideia de “hispanidade”: além da forte orientação do Estado para uma política linguística na Galiza, em que o galego ainda é menorizado, somam-se os episódios de repressão policial à sociedade civil, com revistas policiais a algumas casas pela noite dentro e sem mandato; detenções pela posse de certos livros; acusações de terrorismo com base no uso do lema que Castelão inscreveu no escudo que criou para a Galiza, e com o qual iniciei este texto; intimidações a quem defende a terra da avidez das corporações; e as agressões policiais em manifestações, como as que ocorreram em Compostela, em Maio deste ano, quando vários cidadãos da cidade decidiram protestar contra a ordem de despejo da associação Escárnio e Maldizer. Convém, ainda, apontar a exclusão de que são alvo os escritores galegos que escrevem em galego internacional — ou português –, tanto por parte de instituições públicas, como a Real Academia Galega e o Conselho da Cultura Galega, como por parte de editoras e organizações de prémios literários, subservientes que são ao poder.
Em 2016, tive oportunidade de passar o mês de Outubro na Galiza, onde me confrontei com muitos destes casos. Mais do que o choque pelo que me foi relatado, surpreendeu-me o silêncio, tanto por parte da União Europeia, que parece ignorar a violência policial do Estado Espanhol — violência essa legitimada pela chamada “Lei Mordaça” –, como por parte de Portugal, que tendencialmente vive virado para os países e regiões que dominou, imerso numa narrativa imperial saudosista que lhe tolda a visão, e raramente se volta para os povos que vivem do outro lado da fronteira e com quem partilha um território comum, a Península Ibérica. A minha surpresa — e tristeza, confesso — não vem tanto pelo silêncio das nossas instituições estatais ou dos media, que esses só têm vindo a perpetuar uma narrativa em que a Galiza não tem lugar. Surpreende-me, acima de tudo, o silêncio por parte da sociedade civil, em especial o dos escritores, que pelo seu ofício deveriam conhecer o valor da Galiza para a memória e o futuro da nossa Língua. E, mais do que isso, deveriam questionar as narrativas que o Estado Português e os seus elementos de propaganda nos impõem há séculos […].»