A Através editora, chancela editorial da AGAL, desejava desde quase o seu início publicar um livro sobre a questão identitária da nossa língua, na Galiza, mas de uma ótica portuguesa. Então apareceu um dos melhores candidatos, Marco Neves, professor na Universidade Nova de Lisboa, tradutor, autor de vários livros de divulgação linguística e do imperdível blogue, para os amantes do facto linguístico, Certas Palavras.
Marco, o título do livro é uma pergunta. Dá para ser respondida com uma sílaba ou precisamos de mais?
Dá para ser respondida com uma sílaba — é o que muitos fazem na Galiza quer a sílaba seja «sim» quer seja «não». Em Portugal, dificilmente encontramos alguém que tenha uma resposta tão rápida… Caímos, facilmente, num «não» hesitante, que será a resposta mais óbvia a uma pergunta que raramente ouvimos. Depois, há também casos em que a pergunta é incómoda. Ora, neste livro, tento mostrar a razão por que há quem faça a pergunta, o que — espero — irá abrir os olhos aos leitores portugueses para a proximidade real entre o português e o galego. Ou seja, sim, podemos responder à pergunta com uma sílaba, mas eu proponho mais umas quantas sílabas antes de chegarmos a alguma conclusão. Estou em crer que essas sílabas extra serão uma boa surpresa.
Uma pergunta deste tipo precisa, para ser respondida com rigor, de informações de diferente natureza e no livro são fornecidas. Quais julgas as mais significativas?
Sim, temos de olhar para a História, para a linguística, para a política… São tudo árvores do conhecimento muito úteis! Mas destaco as questões linguísticas. Em geral, algumas ideias básicas da linguística não perpassaram para o público, mesmo o mais bem informado noutras matérias. O simples facto de não ser fácil estabelecer fronteiras entre línguas diferentes é uma informação linguística desconhecida de muitos portugueses. Assim, este livro também ajudará a divulgar questões sobre a História e a natureza das línguas que são úteis mesmo para outras questões.
No livro manténs uma conversa com uma pessoa da tua nacionalidade. Que características têm as perguntas que ela coloca?
As perguntas, que tentam resumir várias atitudes que fui encontrando, ao longo do tempo, perante o galego, tentam representar as dúvidas, as hesitações, os medos desse interlocutor português. As respostas, depois, tentam desmontar as ideias-feitas e os equívocos associados a esta matéria. Por vezes, são ideias pouco pensadas, que existem pela simples razão de que não temos tempo para investigar tudo e pensar em tudo. Por exemplo, para a grande maioria da população, tendo em conta a invisibilidade da cultura galega em Portugal, a pergunta responde-se facilmente: não é a mesma língua porque não se chama português. É também por isso que começo o livro pela questão do nome das línguas.
Tens estado na Galiza várias vezes e conversado com galegas e galegos sobre o tema que deu origem ao livro. Que há de comum nas nossas questões ao respeito? E que há de diferente?
Como digo logo no início do livro, qualquer que seja a resposta que dê, um galego ou uma galega irá saber que a pergunta faz algum sentido. É uma pergunta, aliás, importante. Em Portugal, a pergunta não se faz — ou não se fazia! Felizmente, já começamos a ouvir falar um pouco mais da nossa relação com o galego.
Na Galiza, a questão da língua está à flor da pele. Há mais interesse por estas questões. Sempre que tenho uma conversa na Galiza, há perguntas e respostas e discussão animada e uma abertura grande a conversar connosco, portugueses. Lembro-me de, há uns dois anos, ter levado os meus pais a assistir a uma dessas sessões e terem ficado espantados por ser possível falar em público, na Galiza, em português!
Em Portugal, as perguntas demoram mais, mas — confesso aqui — às vezes uso o exemplo da Galiza para espicaçar aqueles que me ouvem. Digo que, se os galegos fazem tantas perguntas, porque não as hão-de fazer também os portugueses? E, com um sorriso na boca e vontade de não ficar atrás dos vizinhos do Norte, as perguntas lá aparecem.
Na capa do livro aparece uma alfândega. Hoje não há tais entre a Galiza e Portugal… ou será que ainda existem?
Não existem as alfândegas reais, mas existem outras barreiras. É natural — falamos de uma fronteira muito antiga. Nós, portugueses, mal ou bem, vemo-nos como fruto da criação dessa fronteira. Assim, há algum medo, do lado português, em conversar sobre a Galiza. Temos medo de desvalorizar a nossa própria cultura ao pô-la a conversar com a cultura de uma «mera região» do país vizinho. Esse medo é compreensível, mas tento dizer algo muito simples: não temos de ter medo; temos uma cultura sólida, antiga — porque não abrir os olhos para a cultura dos nossos vizinhos do Norte?
Na contracapa aparece um comboio moderno mas, na verdade, esse tal comboio ainda não existe a unir as principais cidades galegas e portuguesas. Como conseguiremos reduzir as distâncias que nos separam?
Há barreiras de que nos esquecemos, questões práticas. A falta de transportes rápidos e eficazes que liguem as várias cidades, o custo, por exemplo, do envio de livros de um lado para o outro, a ausência de programas televisivos que mostrem o outro lado… Não é só entre a Galiza e Portugal. É, por exemplo, muito difícil enviar e receber livros entre Portugal e o Brasil. Esse simples facto afasta-nos mais do que as diferenças entre o português de um lado e de outro. Quando temos textos acessíveis, há conversa real entre galegos, portugueses, brasileiros e outros falantes. Noto isso no blogue onde escrevo: tenho comentários brasileiros, galegos, angolanos, para lá dos portugueses! E há conversas entre todos. É fazendo estas ligações práticas que devemos avançar para haver uma cada vez maior abertura às várias maneiras de falar e escrever a nossa língua — e, com estas palavras, temo ter revelado para que lado se inclina a balança na minha resposta à pergunta. O certo é que todos temos uma resposta, seja ela qual for… Seja como for, estamos muito próximos. Porque não aproveitar?